O Paraguai sempre foi país pobre nos últimos cem anos. Exceção feita ao breve período 2009-12, quando o presidente do país foi o bispo esquerdista Fernando Lugo. O nosso sócio em Itaipu sempre foi governado por políticos de direita, na maioria deles, do partido Colorado. País de terras férteis como o chaco, com energia elétrica de sobra e governos bem distantes do dito populismo de esquerda, mas mesmo assim pobre. Bem diferente da Argentina, que no passado se orgulhava da opulência e de ter em Buenos Aires uma metrópole que era uma espécie de Paris abaixo da linha do Equador. Nosso mais refinado vizinho acaba de eleger o outsider Javier Milei, um ultradireitista para muitos críticos severos, anarcocapitalista (seja lá o que isso signifique) para os mais suaves ou um liberal contra o populismo de acordo com seus defensores. Qualquer que seja o rótulo, o fato é que o eleito começa a sinalizar um certo pragmatismo que o então candidato rechaçava.
A conversa por telefone com o Papa Francisco, a quem hostilizou na campanha eleitoral, e as mensagens trocadas com a China, combinam bem mais com a diplomacia calibrada de um governante do que com a retórica belicosa de um candidato desvairado. A carta enviada a Lula e o convite para que o brasileiro compareça à posse reforçam esse verniz, ao mesmo tempo que soaram quase como traição ao bolsonarismo raiz, que tanto incensou o argentino. Aliás, os sinais de um pouco mais de equilíbrio já foram emitidos logo na entrevista concedida da manhã seguinte à vitória. E foi lá que Milei lembrou de algo que é cinicamente deformado por formadores de opinião situados à direita aqui no Brasil. Trata-se do compromisso de trabalhar para reverter "100 anos de decadência" da Argentina. E falou a verdade!
O problema é que a crítica cínica e ficcionista da ultradireita brasileira atribui todos os problemas da Argentina ao kirchnerismo-peronismo e populista de esquerda. Bem, Néstor Kirchner chegou ao poder apenas em 2003. Vale recordar que o peronista se instalou na Casa Rosada após uma interminável sequência de governos fracassados da direita. Entre eles, a inacreditável série de cinco presidentes em pouco mais de um ano. É tão honesto quanto necessário argumentar que a presidência do esquerdista Alberto Fernandez é indefensável. Não há amor que resista a 145% de inflação, miséria se alastrando e atividade econômica em depressão. Mas a atual recessão é novidade para os argentinos? Óbvio que não. Com Raúl Alfonsín, a inflação passou de 200%. No ciclo militar, foi muito além.
Aliás, desde o golpe que derrubou Perón em 1956, a Argentina conviveu por várias vezes com hiperinflação, outros quatros presidentes foram depostos, diferentes ciclos de ditadores fardados causaram estragos institucionais e uma guerra insana contra a Grã-Bretanha pelas Malvinas ceifou centenas de vidas e atirou o país em mais recessão. Sempre oportuno esclarecer que todos esses desastres foram obras de políticos ou militares de direita! Portanto, Javier Milei está mais que correto quando cita o século de decadência. Definitivamente, a Argentina não foi inventada em 2003. Falta ao eleito apenas ensinar a seus defensores aqui no Brasil que a esquerda do país tem muita responsabilidade sobre os graves problemas ocorridos nas duas últimas décadas. Mas que antes disso, a direita teve muita culpa no cartório. Aliás, quase toda!
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*Fábio Piperno é jornalista com duas décadas de atuação em canais de TV e rádio e, desde setembro de 2021, é comentarista de política e esportes na Jovem Pan News. Estreia hoje a sua coluna no portal da Jovem Pan.
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