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"O meu trabalho nunca dependeu do 'colinho' das entidades"

"Quando eu morrer, não toquem os tambores".


Nesta partilha, Dulce Pontes enumerou várias perguntas que lhe são feitas na rua, tais como "ainda é viva?" e "porque não a vemos?", deixando também uma dura crítica aos meios de comunicação social, isto numa altura em que havia acabado de completar 35 anos de carreira.

Foi na sequência desta mesma publicação que o Fama ao Minuto contactou Dulce Pontes, em busca de mais esclarecimentos sobre o sentimento de insatisfação que, até ao momento, a própria não havia explorado. Dulce respondeu com agrado ao convite e a conversa abriu espaço a outros temas, incluindo a uma atualização sobre a peça de teatro que começou a escrever quando tinha apenas 15 anos.

A Dulce fez recentemente um desabafo que deu muito que falar. Nele deu conta de algumas perguntas que lhe fazem sobre o facto de ter menos visibilidade mediatica do que consideram que deveria ter. Ainda assim, a Dulce tambem parece concordar com esta opinia?o. Por que motivo decidiu fazer este desabafo?

Porque achei que era necessario para esclarecer, dentro da medida do possivel, o publico portugue?s.

O que justifica que na?o seja presenc?a assidua na comunicac?a?o social? E por vontade propria?

Essa pergunta na?o me devia ser dirigida a mim. Por outro lado existem, atualmente, alguns programas de televisão com os quais na?o me identifico e com os quais na?o compactuo. Fazem falta novos formatos, inteligentes e que promovam verdadeiramente a nossa cultura.

Completou 35 anos de carreira em 2023. Estes 35 anos foram feitos daquilo de que gostava que tivessem sido?

Foram feitos de muito mais do que poderia alguma vez imaginar. De milagres, diria mesmo!

As futuras gerac?o?es va?o ficar muito baralhadas com esta brincadeira de 'hip-hop afro-americano fado rapadura'Quais sa?o as maiores conquistas que enumera ao longo deste periodo?

Destaco o trabalho desenvolvido com o Ennio Morricone como o momento mais alto do caminho.

E depois de atingir esta marca, que objetivos ainda espera alcanc?ar?

Permanecer criativa e verdadeira ao proposito de tudo isto.

Com 35 anos de carreira, sente que Portugal lhe tem dado o devido valor?

O publico sim - e de que maneira! Para mim, basta.

Ha dois anos, numa outra entrevista, revelou que sentia saudades dos palcos portugueses. Esse sentimento mantem-se igual, aumentou ou diminuiu?

Portugal e e continuara a ser a prioridade.

Nessa mesma altura, disse na?o se sentir preparada para dizer se a Cultura estava a receber o tratamento devido no nosso pais, isto devido ao impacto da Covid-19. E agora, consegue dar-nos essa resposta?

O problema e saber distinguir entre o que e portugue?s e as influe?ncias que entram pela 'Cultura' adentro como se na?o houvesse amanha?. As futuras gerac?o?es va?o ficar muito baralhadas com esta brincadeira de 'hip-hop afro-americano fado rapadura'. Mais ainda sustentados pelos media e pseudo-intelectuais de servic?o em massa. Parece-me que e mesmo de 'massa' que se trata.

O meu trabalho fora e dentro de Portugal nunca dependeu do 'colinho' facil das entidades representantes do Fado Patrimonio

O seu ultimo album, 'Perfil', foi promovido como um regresso a?s origens da sua carreira, o que inclui o fado. Tem descoberto uma nova faceta do disco que criou, agora que o tem apresentado em palco?

'Perfil' saiu no mesmo dia em que a Guerra na Ucra?nia espoletou. Todo o trabalho de meses em torno da promoc?a?o do mesmo ficou no limbo. Muita gente ainda hoje na?o se deu conta deste album. Fiz a digressão do mesmo durante cerca de um ano, entretanto surgiu a ideia de comec?ar a construir um concerto sobre os 35 anos na musica e assim o fiz e continuarei no decorrer de 2024. E certo que em palco e onde se evolui musicalmente, sempre preferi atuar ao vivo do que o trabalho de estudio.

No inicio da sua carreira lanc?ou varios discos, mas a regularidade foi diminuida com o tempo. Depois de 'Perfil', que lançou em 2022, ja pensa num proximo album?

Foram 13 anos sem editora, apenas com a minha pequena Ondeia Musica. Nesses anos gravei três albuns duplos: 'O Corac?a?o Tem 3 Portas', 'Momentos' e 'Peregrinac?a?o'. O ritmo e a ordem das coisas tiveram de ser alterados: concertos vieram sempre em primeiro lugar, sobretudo quando todos os custos associados a esses albuns dependiam unicamente do meu bolso. A edic?a?o propria tambem na?o tem a mesma colocac?a?o de mercado comparativamente a uma editora grande e mesmo assim esta tudo muito 'viciado'. Farei mais um album com a Universal entre o decorrer deste ano e o inicio de 2025.

A criac?a?o da sua propria editora, a Ondeia Musica, tem dado os frutos que antecipou?

E dificil, sobretudo em Portugal, mas permitiu afirmar a minha independe?ncia e liberdade criativa que ja na?o e posta em causa como foi no passado.

Tal como partilhou connosco anteriormente, tem dado varios espetaculos no estrangeiro. Que tipo de publico encontra nestas deslocac?o?es: os portugueses que por la vivem ou os cidada?os destes paises que sa?o fa?s da nossa musica e, em particular, da musica que faz a Dulce?

Sa?o sobretudo pessoas locais, no entanto e comum aparecer algum publico portugue?s, mas sempre em minoria. O meu trabalho fora e dentro de Portugal nunca dependeu do 'colinho' facil das entidades representantes do Fado Patrimonio. Tenho orgulho no publico que tenho e que me acompanha ha muitos anos e que conhece muito bem todo o percurso. Voltam sempre, temos crescido juntos.

A pec?a de teatro que comec?ou a escrever aos 15 anos ja foi, entretanto, terminada?

Que memoria surpreendente! Ja esta pronta sim senhor. Neste momento estou tambem a compilar toda a poesia e prosa que escrevi ao longo do tempo. Daqui a uns aninhos, se acontecer, talvez edite. Quero ainda ter algum tempo de vida para dedicar ao ensino, na?o de forma exaustiva, mas selectiva. Se Deus me permitir, gostaria de na?o continuar a cantar quando ja na?o possua capacidade para continuar e dedicar esse tempo de vida, num outro ritmo, a outras coisas que amo fazer.

Leia Também: "Ainda é viva?". Dulce Pontes desfaz dúvidas e desabafa sobre a carreira

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