“Quando decidimos fundar o Nós Mulheres da Periferia, fizemos num momento em que existiam muitos estereótipos em torno da mulher negra e da periferia”, diz Bianca Pedrina, diretora executiva operacional e cofundadora.
Neste 8 de março, “Dia Internacional da Mulher”, também é celebrado os 10 anos do Nós, organização que atua com uma cobertura voltada às mulheres das periferias e que busca ampliar o alcance das suas histórias para outros estados.
Formado por seis mulheres que tinham um sonho de quebrar os estereótipos e trazer narrativas mais humanizadas de temas como gênero, raça e classe, o Nós teve o site lançado em 2014. Antes disso, elas já se reuniam para discutir as ideias sobre o projeto. A ideia começou em 2012 quando publicaram um artigo discutindo justamente como era a presença das mulheres na imprensa.
‘A gente queria se sentir representada, ser ouvida e protagonista. Nosso propósito era conquistar espaço para conseguir mostrar nosso papel fundamental na sociedade’
O objetivo era contar as histórias das mulheres com cuidado e respeito, além de trazer as narrativas sem romantizar os fatos. Em dez anos, elas contabilizam mais 2300 conteúdos publicados no site, 1,1 milhão de pessoas alcançadas nos últimos quatro anos no portal, e outras 13,8 mi no Instagram.
Além disso, Bianca afirma ainda entender que o jornalismo é importante não só para garantir a voz das mulheres no noticiário, mas para propor o debate dessas questões trazendo a reflexão.
Ao longo desses 10 anos, o Nós, Mulheres da Periferia enfrentou desafios, entre eles mostrar que faziam jornalismo de qualidade e com credibilidade, barreira enfrentada por muitas organizações independentes.
Por outro lado, tiveram conquistas significativas, exemplo disso são reportagens que repercutiram e conseguiram ter desdobramentos. A diretora do Nós cita como exemplo uma matéria sobre ‘Aborto’ e uma reportagem da Jessica Moreira da mulher trans assassinada em Perus.
“Falar do aborto é um tema que sempre nós tratamos com muito cuidado e de uma certa forma movimentamos a sociedade”, avalia Bianca. “Já a mulher trans (Priscila Diva) que foi assassinada em Perus, a Jéssica escreveu na época. Se não fosse ela, ninguém ia dar. Após a reportagem o caso foi reaberto para investigação”, completa.
Uma década
Com a cobertura jornalística, o Nós ganhou prêmios e editais, por diversas iniciativas. Quando a organização completou dois anos, foi contemplada pelo VAI (Valorização de Iniciativas Culturais da Periferia), com o projeto [Des]Construindo Estereótipos – Eu, mulher da periferia. Na época, elas realizaram uma série de 12 oficinas em seis diferentes bairros das periferias paulistanas.
Com o material que receberam nessas oficinas, elas decidiram fazer uma exposição multimídia com o nome “QUEM SOMOS [POR NÓS]”, no CCJ (Centro Cultural da Juventude) na zona norte de São Paulo.
Em 2016, a organização foi novamente contemplada pelo VAI, o que permitiu a produção do documentário Nós, Carolinas – vozes de mulheres da periferia.
Em 2022, o Nós recebeu o 1° lugar no Troféu Mulher Imprensa (2022) na categoria “Liderança, diretora de redação ou fundadora de projetos jornalísticos” e, em 2023, o Prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira, com a premiação das diretoras Jessica Moreira e Semayat Oliveira, além de ter ficado no Top 5 Veículo de Comunicação liderados por jornalistas negros.
Próximos passos do Nós Mulheres
Em meio a essas conquistas, o Nós cresceu no número de pessoas na equipe e, além das seis fundadoras, conta com mais 10 mulheres fazendo a cobertura. “Isso ajuda a ter reportagens mais robustas. E se manter financeiramente buscando financiadores para continuar existindo”, reforça Bianca.
Continuar existindo. Esse é um dos grandes desafios, avalia Bianca. Para isso, o Nós tem buscado cada vez mais espaço na mídia, além de recursos em editais e parcerias com outros veículos jornalísticos para “se fortalecer em rede”. A ideia é ampliar o alcance para outros estados.
“Queremos cada vez mais cavar espaços, ser reconhecido nacionalmente num lugar, enquanto veículo de comunicação que se propõe em falar de mulheres para mulheres, a gente tem cavado espaço em outros estados por meio de parcerias, com os movimentos que a gente tem feito.”
Outra iniciativa é realizar formações com comunicadores periféricos para compartilhar conhecimento do trabalho que elas realizam há uma década. E também dar palestras nas faculdades para jovens jornalistas sobre o papel da mídia independente e das mulheres nas periferias.
‘A formação partindo de nós, é muito importante para que quando esse jornalista for a campo, tenha clareza, conhecimento de quando for fazer uma pauta sobre racismo, machismo, sobre essas questões, e saiba como colocar isso numa matéria’
“Várias vezes a gente via uma matéria em que a palavra racismo não era colocada na matéria. Nosso papel é com a nossa linha editorial fazer essa reflexão com nosso público e formar jornalistas para que não reproduzam esses estereótipos, independente de onde ele esteja”, ressalta.
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