Os jovens são a aposta da oposição de Recep Tayyip Erdogan, atual presidente turco, para reverter o resultado do primeiro turno das eleições. Descontentes com o governo do líder que está há 20 anos no poder, eles apoiam o social-democrata Kemal Kilicdaroglu, representante que foi nomeado por seis partidos com a intenção de acabar com a hegemonia de Erdogan. Os turcos voltam às urnas neste domingo, 28, para decidir qual será o próximo presidente do país. A primeira votação, realizada em 14 de maio, foi acirrada – e a primeira vez que a oposição teve chance real de chegar ao poder –, mas o atual chefe de Estado conseguiu levar a melhor e alcançar 49,5%. Porém, não foi o suficiente para que evitasse mais um dia de votação. Na segunda posição, aparece Kilicdaroglu, que alcançou 44,9% dos votos. Além dos jovens (a Turquia tem, esse ano, 5,2 milhões de novos eleitores), a oposição também conta com os curdos, que deixaram de apoiar Erdogan e representam 10% do eleitorado, e com as donas de casa para conseguirem mudar o resultado que se encaminha para deixar o atual líder mais cinco anos no poder. Contudo, apesar dos esforços, especialistas não acreditam que será possível evitar a vitória do conservador, que já garantiu maior controle do Parlamento, apesar de ter perdido 20 cadeiras. Se isso acontecer, muitos jovens já ameaçaram deixar o país. Estima-se que 72% dos turcos entre 18 e 25 anos querem viver fora da Turquia se tiverem a oportunidade, de acordo com uma pesquisa da fundação Konrad-Adenauer publicada no início do ano passado.
“Os jovens perderam a esperança. Todas as noites, a única coisa que converso com meu colega de quarto é sobre como ir embora”, admite, em entrevista à agência AFP, Hasibe Kayaroglu, estudante de engenharia da capital Ancara. "Vivemos num país bonito, mas mal governado e a situação só piora. Por isso, muitos jovens querem ir para o exterior", afirma Emre Yörük, cujo irmão mais velho o pressiona a emigrar, seguindo o exemplo de dezenas de milhares de jovens turcos a cada ano. Embora muitas pessoas com menos de 30 anos pensem em emigrar, essa questão não surgiu nas campanhas, dominadas nos últimos dias pelo debate sobre a expulsão de 3,7 milhões de refugiados que vivem na Turquia. No final do ano passado, o chefe de Estado criticou aqueles que querem deixar o país por “caprichos desprezíveis”. Kilicdaroglu recentemente se dirigiu a eles e pediu que voltassem. “Este país precisa de vocês”, afirmou. Embora o pessimismo predomine entre as novas gerações, alguns ainda acreditam na vitória do candidato social-democrata. “Temos um problema hoje na Turquia, comum em países em desenvolvimento, que é o que chamamos de fuga de cérebros, ou seja, indivíduos que obtém formação educacional significativa e muitas vezes vão procurar emprego em países desenvolvidos”, explica o professor de relações internacionais da UFMG e do Ibmec Mario Schettino. Ele acrescenta que há uma pressão grande em cima de Erdogan porque, geralmente, “pessoas com nível educacional mais elevado apoiam a democracia, defendem a pauta liberal em relação à diversidade da população e pregam menos a questão religiosa, um cenário totalmente diferente da visão e propostas de Erdogan”.
Para Christopher Mendonça, cientista politico e professor de relações internacional do Ibmec Belo Horizonte, esse posicionamento do chefe de Estado gera desconforto nos jovens e a partida deles pode trazer mais problemas econômicos para a Turquia. “Perder os jovens na atividade econômica é algo preocupante, porque eles que geram a renda do país. Temos dois tipos de população, a economicamente ativa e a inativa, de pessoas que estão em idade avançada e usufruem do que o Estado proporciona. Perder a juventude amplia a crise econômica que o país ta vivendo”, diz. O país é a 11ª maior economia do planeta, após ajuste em função do custo de vida, à frente de Canadá, Itália e Coreia do Sul, segundo a "The Economist". Contudo, nos últimos cinco anos, a moeda, a lira, perdeu cerca de 80% de seu valor frente ao dólar e o país vive sua pior crise econômica desde os anos 1990, com uma inflação elevada. “A Turquia tem tido problema princialmente em razão da desvalorização da moeda turca e da diminuição da atividade econômica. O nível de desemprego aumentou, muitos jovens estão sem emprego e a política feita por Erdogan não atende a esse mecanismo. A Turquia atualmente é um país com altos índices de inflação, desindustrialização”, afirma Mendonça.
Outra derrota para o atual chefe de Estado é a perda das donas de casa. Em 2018, quando venceu as eleições presidenciais, ele teve apoio de 60% dessas trabalhadoras, além dos curdos, de acordo com uma pesquisa do instituto Ipsos, quase oito pontos acima de sua votação a nível nacional, mas diante da atual situação do país, esse cenário mudou. No entanto, ele ainda acredita ser possível reverter essa perda. Erdogan enviou suas eleitoras para uma campanha porta a porta, uma de suas armas eleitorais preferidas desde que conquistou a prefeitura de Istambul em 1994. Emine Erdogan, esposa do presidente, é uma das líderes da campanha. “Nunca houve tanta chance de vitória da oposição como agora, principalmente com a mudança no pensamento dos curdos, um apoio importante que Erdogan perdeu”, fala Christopher Mendonça. A nova geração turca tem uma proximidade maior com a Turquia secular, aquela que foi fundada no início do século XX, após a Primeira Guerra Mundial. O professor de relações internacionais da UFMG e do Ibmec Mario Schettino finaliza dizendo que, apesar de Erdogan ter como um de seus legados o crescimento econômico nos anos 2000, os jovens não se recordam disso, e hoje, por ele estar há muito tempo no poder, é muito fácil para a oposição relacionar qualquer problema que existe no país com o seu governo. “A estratégia de usar jovens tem a ver com o fato de que grande parte viveu a vida adulta sob o regime Erdogan, já que ele está há 20 anos no poder. Por isso, é fácil para oposição associar os problemas ao líder turco, até porque, muitos desses jovens não tem lembrança dos primeiros anos de governo”, afirma. Ele ainda diz que, dessa forma, eles não se recordam o crescimento e o incentivo à construção que o turco fez em seus primeiros anos de governo. Porém, apesar da mobilização e da força da oposição, “acho difícil reverter a eleição por causa da pequena margem de votos que Erdogan precisa”, conclui Schettino.
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