A vitória de Donald Trump contra Kamala Harris nas eleições do último dia 5 trouxe resultados claros. Pela primeira vez desde 2004, quando George W. Bush venceu John Kerry na esteira da chamada "guerra ao terror", um candidato republicano superou um democrata no voto popular. A goleada no colégio eleitoral também foi marcante, com 312 a 226. Pesou para o eleitor a lógica que dava ampla vantagem para Trump. Do lado de fora da Casa Branca, fica mais fácil apontar os erros do governo em curso e conquistar apoio. A comparação dos anos atuais com o período anterior a 2020, quando o desafiante era o desafiado, também foi vista com bons olhos pelo público.
Mas o que mais chama a atenção na campanha vitoriosa do republicano foi a capacidade de adotar pautas populares e usá-las contra o Partido Democrata, cuja plataforma foi, mais uma vez, focada apenas na "ameaça existencial" promovida por Donald Trump. Que não fique nenhum engano: o ex-presidente foi condenado por abuso sexual, condenado criminalmente por maquiar pagamentos para uma atriz pornô, é conhecido por declarações explicitamente misóginas, foi preconceituoso quando suspendeu a entrada de cidadãos de sete países árabes alegando que os turistas poderiam ser terroristas, frequentemente faz declarações xenofóbicas envolvendo os imigrantes ilegais no país, alegando uma suposta correlação de criminalidade, e é investigado pela tentativa de golpe de Estado ao tentar reverter o resultado das eleições de 2020.
Para o eleitor, porém, pouco disso importa. O fator decisivo foi o bolso. A inflação nem é tão grande assim, com o índice de preços ao consumidor fechando em setembro em 2,4% no acumulado dos últimos 12 meses — valor similar a fevereiro de 2021, um mês após a chegada de Joe Biden na Casa Branca. O desemprego, em leve baixa em outubro, atinge 4,1% da população. Ainda assim, Trump conseguiu utilizar da retórica para convencer o eleitorado de que o país atravessa graves problemas econômicos e precisa de mudanças urgentes. É um mérito indiscutível do candidato, que soube encontrar o tom certo do discurso para se infiltrar nas classes média e baixa, conquistando um voto crucial para a disputa.
A situação foi clara: enquanto Donald Trump peregrinava os swing states convencendo o eleitor de que a economia vai mal, que o custo de vida subiu e que os Estados Unidos sofrem de graves problemas estruturais que os democratas não foram capazes de resolver, Kamala Harris optou por buscar explorar a rejeição do seu rival. Mas nem isso funcionou. Os dados da pesquisa boca de urna Edison Research mostram que o discurso identitário promovido por Harris foi um fracasso. A democrata teve apenas 8% a mais do voto feminino que Donald Trump — em 2020, Biden teve 15%. Entre os homens latinos, Biden teve 23% de vantagem contra o republicano em 2020, mas, quatro anos mais tarde, Trump liderou o grupo com 10%.
Não bastasse isso, Kamala Harris também fracassou entre o eleitorado negro, com apenas 56% de vantagem entre os homens. Para comparação, no mesmo grupo, Hillary Clinton teve 69 pontos percentuais a mais que Trump em 2016, enquanto Biden teve 60 em 2020. O discurso de nomes importantes da sigla após a derrota mostram que o Partido Democrata está descolado da realidade. No que pese o menor tempo de campanha que Kamala teve em comparação a Trump, pouco foi debatido sobre os problemas que afligem a toda população americana — ainda que de forma desigual a depender da camada social, étnica ou de gênero. Com isso, sobrou espaço para que um empresário bilionário crescesse em meio à classe trabalhadora.
É quase como se Harris e seus aliados tivessem praticado uma espécie de negacionismo eleitoral, omitindo do discurso o que há de mais visível no dia a dia americano e buscando levar ao topo da lista de prioridades o que nunca foi, de fato, consenso entre a população. Muita coisa pode mudar em quatro anos — ou até mesmo em menos tempo, com as eleições legislativas em 2026. Mas, certamente, a derrota nas urnas indica que os democratas precisam recalcular a rota para manter a competitividade política nos Estados Unidos.
jovem pan