Quando falamos da Coreia do Sul, por se tratar de uma nação asiática e do extremo oriente, não conseguimos em um primeiro momento enxergar pontos de semelhança ou até mesmo de aproximação cultural. De fato, o país, com uma cultura tão antiga e tão influenciada pelos também orientais Japão e China, carrega alguns elementos culturais muito peculiares e que carecem em convergências com nações latino-americanas. Todavia, a história recente do país, desde o fim da Guerra da Coreia até hoje, possui vários aspectos espelhados com o nosso Brasil. Os desafios e insucessos sul-coreanos possuem vários paralelos com os nossos próprios problemas rumo ao desenvolvimento socioeconômico.
Em 1953 quando a guerra teve seu armistício assinado, a Coreia do Sul era uma nação falida, um país completamente arruinado em sua infraestrutura e com boa parcela de sua população jovem e trabalhadora morta ou tornada incapacitada após o conflito. Nos primeiros setes anos que se seguiram, o líder autocrático Syngman Rhee, fez o que pode para formalizar alianças com as potências ocidentais e assim conseguir reconstruir o país e dar uma mínima perspectiva positiva à sua população jovem. No Brasil não tivemos uma guerra civil, mas no meio do século passado, nossos índices socioeconômicos per capita eram semelhantes à algumas nações recém-saídas de guerras. Alianças foram feitas e relativo progresso alcançado com a conquista do Centro-Oeste, mas o país precisava de mais.
Na década de 1960 os sul-coreanos têm um golpe militar com o general Park Chung-hee, que inicia uma ditadura desenvolvimentista, ampliando a infraestrutura das grandes cidades do país, industrializando diversas áreas que pavimentariam o caminho para a potência industrial que a Coreia é hoje. Contudo, o governo altamente repressivo e com intenso uso da força contra inocentes e estudantes, culminou com o assassinato do ditador e outro golpe de estado em 1979, praticamente ampliando por mais uma década de regime militar. No Brasil também tivemos uma ditadura militar no mesmo período, onde generais lideraram a construção de grandes obras infraestruturais, mas onde a industrialização foi deixada em segundo plano, além também das gritantes violações e abusos contra a população civil.
Em 1988 os sul-coreanos têm sua primeira eleição direta e universal para os mais importantes cargos, em 1989 os brasileiros têm sua primeira eleição presidencial direta e universal em muitas décadas. Olhando década a década vemos um caminho sinuoso parecido entre essas duas nações tão distintas e com mais de 17 mil quilometros entre elas. Com a democracia liberal, ambos os países cresceram ainda mais economicamente, mas nos dois casos, a corrupção entre políticos dos mais diversos escalões e grandes empresas privadas corroeram a credibilidade da classe política em toda a sociedade. Em 2016 a primeira presidente mulher do país Park Guen-hye sofreu um processo de impeachment em razão de esquemas de corrupção na cúpula de seu governo. Também em 2016 a primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, teve seu processo de impeachment concluído após o enfraquecimento de seu governo em meio a Operação Lava-Jato e fortes acusações de corrupção contra o Partido dos Trabalhadores. Como podemos observar, mais uma semelhança nessa linha do tempo, mas atualmente a base educacional dos sul-coreanos e como eles compreendem a democracia e sua constituição, parece lhes dar uma vantagem.
Nessa semana após a medida autoritária do atual presidente Yoon Suk Yeol de decretar lei marcial, o legislativo agiu prontamente para reverter o decreto e garantir que a constituição democrática do país continuasse vigente. O processo de impeachment de Yoon já está encaminhado para votação nos próximos dias e muitos analistas já dão seu afastamento como certo. No caso brasileiro, se algo parecido acontecesse, talvez não contaríamos com um parlamento tão rápido e eficiente a ponto de colocar os interesses da nação como prioritários e não a velha dinâmica partidária brasileira de minimizar perdas aos aliados e maximizar danos aos adversários. Todo esse amadurecimento na relação entre uma sociedade com a sua democracia, faz parte de um longo processo de compreensão do passado e de responsabilização pelo futuro, algo só alcançado com o investimento maciço da educação básica e o ensino de valores cívicos. Os sul-coreanos, desde o primeiro tijolo da reconstrução de seu país, após uma guerra que matou cerca de 3 milhões de pessoas, priorizaram a educação de todas as crianças. Hoje, mesmo com as ironias da história, muitas vezes tão parecida que compartilhamos, vemos um país muito longe de um sistema educacional minimamente condizente com nossas ambições quanto uma sociedade democrática. Talvez a lição mais valiosa que possamos aprender com a Coreia do Sul hoje, é que a construção de uma democracia sólida, passa inevitavelmente pelas carteiras de salas de aula.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
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