Muitos acreditavam que não seria tão rápido ou tão fácil como foi, mas de maneira extremamente dinâmica, uma das ditaduras mais longevas do mundo terminou, e agora um novo governo se inicia. A queda do ex-ditador sírio Bashar al-Assad representa uma enorme fraqueza do Irã e da Rússia em não conseguir dar retaguarda ao seu mais valioso aliado no coração do Oriente Médio, todavia, a vitória dos rebeldes pode ser apenas o prelúdio de um reaquecimento sangrento de uma guerra civil que já matou mais de meio milhão de pessoas.
De um lado os russos aceitaram a derrota, ofereceram asilo para Assad e sua família e ainda mantém uma base naval importante em Tartus, na Costa do Mediterrâneo. Para o Irã, a derrocada de Assad, ditador xiita em um país majoritariamente árabe sunita, significa uma perda considerável de prestígio dentro da região. Além disso, sem um governo aliado na fronteira com o Líbano, o reabastecimento de armas dos iranianos para o Hezbollah, inviabilizará o financiamento contínuo do grupo terrorista libanês em sua guerra contra Israel.
A figura temida e cruel de Assad fica hoje na memória e nos traumas de milhões de sírios, mas a grande questão envolve o futuro do país. Dentro dos maiores vitoriosos na tomada de Damasco, está o grupo terrorista HTS (Hayat Tahrir al-Sham), uma organização paramilitar sunita, nascida a partir da Al-Qaeda e que no passado já pregou a jihad global e a implementação da sharia em um país étnica e religiosamente diverso.
Nos últimos anos, a sua principal liderança, Abu Mohammed al-Julani, concedeu uma série de entrevistas a influentes jornais ocidentais, dizendo que os dias de radicalismo ficaram para trás e que pretende agora construir um estado moderno a partir das ruínas sírias. No passado, outros grupos terroristas que foram alçados ao poder de maneira repentina, como é o caso do Talibã no Afeganistão atualmente, também fizeram promessas de moderação, até oprimirem ainda mais suas minorias e mulheres, quando os holofotes da comunidade internacional se voltam para outro canto do mundo. Por isso mesmo, as entrevistas polidas e discursos moderados são escutados com enorme receio e desconfiança por toda a comunidade internacional.
Há também outras fações dentro da oposição como o Exército Livre da Síria, que nas primeiras fases da guerra colaboraram com as potências ocidentais contra o regime de Assad. Contudo, a vitória militar alcançada pelo HTS pode deixar de fora da partilha do poder outros grupos mais moderados em uma nova Síria.
Não bastando isso, temos ainda a autodenominadas Forças Democráticas Sírias (SDF), uma aliança de milícias curdas que atuam no nordeste do país, e tem como objetivo ampliar a influência da etnia dos curdos na política regional a ponto de um dia conseguirem sua própria nação independente. Em um cenário de terra arrasada e com tantos jogadores internos e externos com interesses diversos, a fórmula para um futuro promissor não conseguiu ser encontrada até o presente momento.
Com muitos grupos fortemente armados e buscando objetivos diferentes, a chance de um reaquecimento da guerra civil existe, desta vez sem as forças fiéis a Assad no cenário, mas ainda formando um conflito multifacetado e complexo que prioriza muitas vezes os interesses internacionais aos interesses dos sírios.
Os russos e iranianos ainda buscam manter um pouco da influência que detinham, os turcos e cataris se entusiasmam com a vitória do HTS, as monarquias ricas do Golfo se sentem mais poderosas sem um líder xiita no centro do Oriente Médio, os americanos e europeus veem uma oportunidade para a fragmentação territorial que possivelmente daria nascimento ao Curdistão, enquanto os chineses analisam tudo de maneira pragmática para também conseguirem assegurar a sua influência nessa região tão estratégica do mundo.
Considerando tudo isso, a possibilidade da perda da integridade territorial da Síria é uma preocupação muito grande. Alguns analistas acreditam que em um cenário de reativação da guerra civil, ou da negociação do seu fim, a Síria no mapa como a conhecemos, pode se fragmentar ainda mais e até mesmo de maneira oficial.
Enquanto milhões de sírios refugiados pelo mundo respiram aliviados e tantos outros já planejam o retorno ao país de origem, as incertezas crescem, preocupados que país que tanto esperou por esse momento, tenha seu renascimento com os mesmos vícios do passado. O temor que a Síria de Assad seja mais palatável que a Síria de amanhã é real, e infelizmente, a trágica história do Oriente Médio não nos deixará descartar essa possibilidade tão cedo.
jovem pan