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"Não temos de pedir direitos, temos de os exigir. Fiz isso a vida toda"

Fátima Lopes nasceu no Funchal, na Ilha da Madeira, no dia 8 de março de 1965.


Fátima Lopes nasceu no Funchal, na Ilha da Madeira, no dia 8 de março de 1965. Desde pequena que assume ter uma grande paixão pela moda e pela criação, tendo começado a desenhar as suas próprias peças de roupa aos 13 anos.

Antes de enveredar pelo mundo da moda, foi guia turística durante quatro anos, tendo conhecido um pouco de todo o mundo. Porém, o seu verdadeiro sonho era ser estilista, mas rapidamente percebeu que não o conseguiria conquistar na Madeira.

Posto isto, em 1990, mudou-se para Lisboa. Em dois anos, abriu a sua primeira loja, a Versus, e lançou a sua própria marca - 'Fátima Lopes'. Atualmente, é a estilista portuguesa mais conhecida a nível internacional, tendo sido a primeira designer de moda portuguesa a apresentar um desfile na Paris Fashion Week.

Recentemente, apresentou a sua nova coleção de outono/inverno 2024/25, no Museu Nacional dos Coches, na qual reinou a sensualidade, a irreverência e o glamour, características habituais das peças Fátima Lopes.

Talvez o meu início de vida com conforto e proteção me tenha feito perceber que, para conquistar o que eu queria, teria de ser exatamente o oposto

Quem era a Fátima Lopes antes de se tornar tão reconhecida a nível nacional e internacional?

Acho que continuo a ser a mesma pessoa. Cresci numa ilha pequenina, num ambiente muito simpático e com sol durante o ano inteiro. Vivi entre amigos - o que faz muita diferença - e com uma família muito grande e unida. Acho que isso fez de mim uma pessoa aberta para o mundo e talvez com alguma ingenuidade. O mundo era muito cor-de-rosa e não sabia o que era ter inimigos até chegar a Lisboa. Mas tanto a minha infância como a minha adolescência foram perfeitas, e isso fez de mim a pessoa que sou hoje.

Claro que nascer num meio pequeno e com sonhos de moda também me fez ter aquela noção de que, se quisesse fazer alguma coisa da vida, teria de ir à luta e trabalhar muito. Primeiro, tinha de sair do meu porto seguro, da minha zona de conforto. Tinha de entrar num avião e ir para fora. Tinha de ir à procura de tudo aquilo com que sonhava. Naquela altura, não conseguia construir uma carreira de moda na Madeira, era impossível. Era preciso estar no sítio certo, no momento certo, 'in loco' [expressão em latim que significa "no lugar"]. Eu tinha essa noção e isso fez de mim uma pessoa aventureira, muito forte e lutadora. Talvez o meu início de vida com conforto e proteção me tenha feito perceber que, para conquistar o que eu queria, teria de ser exatamente o oposto.

Há algum momento da sua infância que a tenha marcado em particular?

Acho que não. Toda ela foi cheia de calor humano e de simpatia. Eu cresci no Clube Naval, que é um clube privado onde eram todos amigos, da mesma idade. Crescemos todos juntos e um bocadinho numa bolha. Eu nunca soube o que era bullying, por exemplo. Eu era sonhadora e acreditava que tudo era possível [risos].

© Fátima Lopes

A Madeira continua a ser a sua 'casa'?

A Madeira continua a ser a minha terra natal, o meu porto seguro, onde está a família e onde estão as minhas raízes. É onde eu passo todos os Natais. Só não fui uma única vez na vida e arrependi-me imenso. Portanto, o Natal é obrigatoriamente na Madeira.

Continuo com os mesmos amigos que sempre mantive a vida toda, por isso, quando chego à Madeira volto a sentir que estou naquela bolha. É como se fosse um mundo à parte. Pelo menos, eu sinto isso.

Quando ia como guia para o estrangeiro era responsável por grupos muito grandes e isso deu-me um sentido de responsabilidade que dificilmente eu teria se não tivesse passado por essa experiência. O mundo do turismo foi uma escola de vida

Antes de entrar no mundo da moda, esteve na área do turismo. De que forma essa profissão a moldou para o futuro enquanto estilista?

Eu costumo dizer que os quatro anos que estive no turismo foram uma escola de vida. Primeiro, eu sempre tive jeito para línguas e isso ajudou-me mais tarde no mundo da moda. Durante esses quatro anos, o turismo deu-me uma liberdade e um abrir de horizontes que eu acho que todos os jovens deveriam ter na vida. Comecei a viajar pelo mundo muito cedo e sozinha. Isso fez com que eu não tivesse medo de nada. Enquanto agente de viagens tinha de promover os destinos e, para isso, tinha de viajar para eles. Hoje em dia, essa promoção faz-se através da internet ou até com influencers. Nós éramos os influencers da altura [risos]. Eu viajei imenso e acho que isso me moldou bastante. Quando ia como guia para o estrangeiro era responsável por grupos muito grandes e isso deu-me um sentido de responsabilidade que dificilmente eu teria se não tivesse passado por essa experiência. O mundo do turismo foi uma escola de vida.

© Fátima Lopes

Entretanto, mudou-se para Lisboa. O que é que não encontrou no Funchal para fazer esta mudança?

Estamos a falar de há 36 anos. Se Portugal era um país pequeno, na Madeira faltava tudo. Portanto, eu encontrei na capital do país, sobretudo, a facilidade de deslocação. Quando cheguei a Lisboa, percebi rapidamente que a Madeira era muito pequena, mas que Portugal também era. E eu queria muito mais. Em Lisboa encontrei um mundo de moda muito maior. Na Madeira não tinha a mínima hipótese de construir uma carreira. Mas de Lisboa fui para Paris, ou seja, a capital do nosso país foi o ponto de partida para o internacional que, na verdade, era o que eu queria.

Eu sabia que tinha muita imaginação, que tinha um estilo próprio, sabia o que gostava, mas não percebia nada de moda

Considera que veio para Lisboa com a ideia de que iria encontrar um lugar com mais oportunidades ou já sabia que, eventualmente, teria de se internacionalizar?

Na verdade, acho que fui dando um passo atrás do outro. Vim para cá ingénua, mas também com a consciência de que não percebia nada de moda. Eu sabia que tinha muita imaginação, que tinha um estilo próprio, sabia o que gostava, mas não percebia nada de moda. Portanto, quando vim para cá não comecei logo a desenhar. As coisas não aconteceram assim.

O mundo da moda português era muito pequenino e o internacional estava distante, era muito caro e muito inacessível. Eu comecei por trazer para cá aquelas coisas com que as pessoas sonhavam e que só quem tinha possibilidade de viajar é que conseguia comprar

Eu estive quase três anos em Lisboa. Comecei por abrir o que se chama agora uma 'concept store'. Na altura, chamava-se loja de multimarcas e foi uma das primeiras de sempre - a Versus. Eu, habituada a viajar, ia a Paris, a Londres, a Milão, comprava roupa e acessórios, e trazia para cá. Na altura foi um sucesso, porque Lisboa não tinha nada! Os produtos vendiam-se na hora, porque as pessoas estavam sempre à espera que chegassem as novidades da Versus. Isto foi em 1990. Em 1992 nasceu a marca 'Fátima Lopes'. Mas nessa altura não havia nada, não havia marcas. O mundo da moda português era muito pequenino e o internacional estava distante, era muito caro e muito inacessível. Eu comecei por trazer para cá aquelas coisas com que as pessoas sonhavam e que só quem tinha possibilidade de viajar é que conseguia comprar. Há pouco disse que o turismo foi a minha escola de vida, a Versus foi a minha escola de moda. Durante dois anos viajei para Paris, Milão e Londres… Ia a todas as feiras internacionais de moda, comprava as peças e vendia-as para tentar perceber como é que este mundo funcionava. Quando senti que estava capaz de criar uma coleção, em setembro de 1992, decidi fazer uma pequena experiência com 20 e tal peças para ver se tinha sucesso. Nem tive coragem de pôr o meu nome na coleção. Chamei-lhe 'Versus'. Pendurei as peças na loja e venderam-se todas! Nesse dia tive a certeza de que nada seria igual… E passaram-se 32 anos.

As coisas foram acontecendo, umas atrás das outras, sempre sem ter muitas expectativas. Fui fazendo as coisas consoante me dava prazer. Nunca tive uma máquina de marketing atrás. Tudo aconteceu naturalmente.

Eu quis saber como é que os maiores do mundo faziam, para depois ser eu a fazer e em bom

A Fátima afirma que "não percebia nada de moda", mas está a falar da parte empresarial, certo? O 'bichinho' pelo desenho sempre esteve presente.

Desde que nasci! Lembro-me de brincar com bonecas e de querer desenhar roupas para elas. Até para mim. Isso sempre esteve cá. Agora, perceber do negócio, saber como se constrói uma coleção, isso não sabia. E ainda bem que tinha essa consciência, porque isso fez com que quisesse aprender. Eu quis saber como é que os maiores do mundo faziam, para depois ser eu a fazer e em bom.

Abertura da sua primeira loja na Avenida da Liberdade© Fátima Lopes

Como destacou, a mudança para Lisboa não foi propriamente difícil. Contudo, quando chegou à capital, deparou-se com alguns obstáculos em particular?

Em Portugal tudo é difícil e naquela altura ainda mais. Não havia nenhuma política de moda; a nossa indústria nunca acreditou nos criadores, nunca nos apoiou. Pelo contrário, olhava para nós como se fôssemos uns extraterrestres que faziam uma coisas muito estranhas e eles não tinham tempo nem paciência para isso. A indústria portuguesa sempre esteve virada para confecção a feitio para as marcas internacionais que depois faziam em grandes quantidades. Essa sempre foi a política da indústria portuguesa. Hoje em dia, trabalho com muitas indústrias e as coisas são diferentes, porque agora também trabalho com quantidades. Quando um criador começa a trabalhar, não consegue produzir quantidades, e enquanto não o faz, não tem apoio nenhum.

Eu criei o meu estilo e foi exatamente isso que me abriu as portas em Paris. Estive 21 anos consecutivos na Paris Fashion Week. Foram 43 desfiles consecutivos na Semana da Moda de Paris

Houve alguém, no mundo da moda, que a tenha inspirado a seguir este caminho?

Sempre admirei aqueles criadores únicos. Olhava-se para uma peça e sabia-se logo que era deles. Era fã do Jean-Paul Gaultier, obviamente. Em Paris, toda a gente era fã do Jean-Paul Gaultier. Mas também era fã da Vivienne Westwood ou do Yamamoto. Claro que os desfiles são totalmente diferentes e eu nunca me identifiquei com nenhum deles. E ainda bem. Isso fez com que eu criasse o meu próprio estilo e em pudesse ser a Fátima Lopes. Eu criei o meu estilo e foi exatamente isso que me abriu as portas em Paris. Estive 21 anos consecutivos na Paris Fashion Week. Foram 43 desfiles consecutivos na Semana da Moda de Paris.

Primeiro desfile da estilista em Paris© Fátima Lopes

Atualmente, 32 anos depois de lançar a sua primeira coleção, como olha para o início da sua carreira? Teria feito algo de diferente?

Se eu soubesse o que sei hoje, teria [risos]. Mas acho que fiz tudo de uma forma muito genuína, portanto, provavelmente iria fazer igual. Nunca fiz nada muito premeditado. Sempre fiz aquilo que me apeteceu. Claro que, hoje em dia, sou uma pessoa diferente da que era na altura. Tem que ver com as fases da nossa vida. Hoje, ao ver entrevistas minhas de início de carreira, até acho que era arrogante! Mas, ao mesmo tempo, também era uma defesa. Foi muito difícil quando cheguei a Lisboa e foi muito difícil quando cheguei a Paris, porque eu tinha de me impor. A mim, à minha marca e ao meu estilo.

Tinha tanto de dificuldade quanto de aliciante, porque eu terminava uma coleção, sabendo que a seguinte tinha de ser muito melhor. Tinha de garantir que a imprensa - que tem cerca de 90 desfiles para ver durante uma Fashion Week - ia querer assistir ao meu desfile

Em Paris, eu tive de competir com as maiores multinacionais do mundo. Não estamos a brincar. Nunca foi uma brincadeira em Paris. Sempre foi uma competição com armas diferentes, porque as maiores multinacionais têm armas financeiras que uma empresa portuguesa pequenina não tem. Ou seja, em termos de criatividade, eu tinha de ser melhor do que elas. Tinha de fazer muito mais para conquistar o meu lugar, porque esses lugares, como é óbvio, são conquistados pela força do dinheiro. Eu não tinha essa arma. Tinha de ser mais original, mais criativa, cada desfile tinha de ser um evento incrível. Nada podia ser parecido com nada. A responsabilidade e a exigência sempre foram muito, muito grandes. Tinha tanto de dificuldade quanto de aliciante, porque eu terminava uma coleção, sabendo que a seguinte tinha de ser muito melhor. Tinha de garantir que a imprensa - que tem cerca de 90 desfiles para ver durante uma Fashion Week - ia querer assistir ao meu desfile.

Desafiava-se a si própria.

Eu tinha que me superar! A cada coleção. E continua a ser assim. Essa exigência continua em mim. Acho que temos de nos superar todos os dias. E se naquela altura era difícil, agora continua a ser. O mundo movimenta-se tão rápido, que nós agora temos de correr para acompanhar o que antes fazíamos a andar. É mais ou menos isto. O mundo está a mudar todos os dias, temos de acompanhar os tempos e temos de continuar a ter este grau de exigência e de dificuldade no nosso trabalho para continuarmos aqui. Nada está garantido. Nós temos de conquistar o nosso lugar todos os dias.

© Fátima Lopes

O que sentiu quando, no final do seu primeiro desfile, subiu à passerelle e deu a cara pela sua coleção?

O primeiro foi de pânico e alívio ao mesmo tempo. A partir desse, já sentia sempre um prazer imenso. Quando chego ao final de um desfile, tenho um sorriso de felicidade que é óbvio e que se nota. Porque é exatamente isto: é uma conquista, é concretizar o trabalho de meses. As pessoas não têm noção do trabalho que dá criar uma coleção. Os custos, as exigências, as dificuldades que depois, em poucos minutos, aparecem na passerelle. Mas as coisas, quando correm bem, trazem uma sensação de felicidade total e absoluta. É missão cumprida.

Estar vestida de um milhão de dólares, não era uma coisa que se fizesse todos os dias. Foi incrível, único e um momento que nunca vou esquecer. Foi mágico

Em 2000, surpreendeu o mundo da moda ao usar o icónico biquíni de ouro e diamantes. Hesitou antes de vestir essa peça ou foi uma ideia sua?

A ideia do biquíni foi minha, mas a ideia de me pôr a desfilar não. Foi da minha equipa de assessoria de imprensa de Paris. A ideia deles foi colocarem-me a desfilar como manequim, porque, a cada coleção - como disse há pouco - nós tínhamos de ser diferentes e nunca tinha acontecido um criador desfilar no seu próprio desfile. Era uma inovação. E eu, a brincar, disse que só iria se fosse vestida de diamantes. Mas eu estava a brincar! Convencida de que isso não seria possível. E afinal era… Ainda por cima tratava-se de uma coleção de verão e nós tínhamos um amigo em Antuérpia que trabalhava com diamantes. Ligámos-lhe e ele disse: "consider it done" ["considera-o feito", em tradução livre]. A partir daí, a brincadeira já estava a ficar séria. Nessa altura assustei-me um pouco, confesso. Mas já não tinha volta a dar. Os meus assessores de imprensa anunciaram aos jornalistas o que ia acontecer e já ninguém falava de outra coisa. Antes de o desfile acontecer já era notícia. Foi assustador, mas depois de entrar na passerelle foi… maravilhoso.

Houve quem me perguntasse como é que eu me senti e eu respondi: 'A rainha do mundo'. E essa frase correu o mundo. Mas, naquele momento, eu realmente senti isso. Estar vestida de um milhão de dólares não era uma coisa que se fizesse todos os dias. Foi incrível, único e um momento que nunca vou esquecer. Foi mágico.

© Fátima Lopes

E nunca se arrependeu?

Não, nem faria sentido. Na verdade, virou um pouco a minha imagem de marca. Já para não dizer que, a partir daí, nasceu a minha coleção de joalharia. A empresa que me patrocinou - uma multinacional de diamantes belgas, a Ezzeddine Diamonds - depois patrocinou os meus desfiles durante muitos anos. Portanto, trouxe-me benefícios em termos de carreira, de imagem. Foi notícia no mundo inteiro e atenção que, na altura, não havia redes sociais. Só me trouxe consequências positivas e a própria Ezzedine Diamonds também beneficiou com isto, porque conseguiu revolucionar a sua empresa.

Tendo em conta os desafios diários de uma mulher, ainda mais naquela altura, alguma vez se sentiu objetificada após essa sua aparição?

Naquela altura, e talvez por estar vestida de diamantes, não houve críticas negativas. E se alguém pensou mal teve vergonha de o dizer. Não houve uma única crítica negativa pública. Em casa, é provável que alguém não tenha gostado, como é óbvio. Não podemos agradar a todos. Mas, para o mundo inteiro, o momento foi único e essa ideia era consensual.

Também foi uma coisa boa para Portugal, porque o nosso país não era falado pela positiva todos os dias no mundo. Depois do meu desfile, pelo menos durante muito tempo, falou-se de Portugal e falou-se disso. Acho que ninguém teve coragem de criticar publicamente.

E se hoje fosse convidada a fazer o mesmo?

Não. Há coisas que só se fazem uma vez na vida [risos]. Foi um momento que ficou como uma das melhores memórias da minha vida. É para deixar estar nesse pedestal.

Eu não entendia por que é que as pessoas tinham vergonha do seu corpo. Na minha opinião, a sensualidade só nos faz bem. Só nos faz sentir bem

As suas coleções têm sempre um toque de sensualidade. Essa característica foi planeada como um 'statement' em defesa das mulheres ou simplesmente faz parte da sua personalidade?

Essa pergunta faz muito sentido e dizem-me que eu, por muitas vezes, já ajudei ao empoderamento feminino. Naquela altura, vestir aquilo que eu vestia ou que apresentava em passerelle era demasiado ousado. No início da minha carreira, o tipo de moda que eu fazia era amado por uns e odiado por outros. Mas a verdade é que nunca foi planeado ser assim. Eu nasci numa ilha com sol o ano inteiro, com calor o ano inteiro. Cresci num Clube Naval onde andava de biquíni de verão e de inverno. Para mim, o corpo nunca foi para esconder. Nunca foi um tabu ou uma coisa que eu tivesse vergonha. Eu não entendia por que é que as pessoas tinham vergonha do seu corpo. Na minha opinião, a sensualidade só nos faz bem. Só nos faz sentir bem.

A minha moda tem mudado muito ao longo dos anos, mas eu sempre gostei desse jogo de sensualidade - q.b. [quanto baste], porque eu acho que a sensualidade tem uma fronteira muito ténue com a vulgaridade e isso eu nunca fiz. Passar para a vulgaridade foi coisa que eu nunca permiti. Portanto, sensualidade sim, mas sempre com um lado chique. Pode ser sensual, mas tem de ser elegante. Essas duas palavras não podem ser dissociadas. Não é mostrar tudo, é saber mostrar o que faz sentido. E sempre com um toque de elegância.

Nunca na vida permiti que alguém tentasse, de alguma maneira, privar-me de algum direito. Nós não temos de pedir direitos iguais, nós temos de os exigir. E foi isso que eu fiz a vida toda

Desde que começou a sua carreira até aos dias de hoje, como é que analisa a evolução dos direitos das mulheres, principalmente no mundo da moda, mas não só?

Começa logo por aí: haver a necessidade de se falar dos direitos das mulheres. De haver um Dia da Mulher. Não há um Dia do Homem. Eu sempre exigi os meus direitos e acho que cada uma de nós o deve fazer. Em pleno 2024, estarmos a falar disto é uma tristeza. Apesar de, em Portugal, termos liberdade e podermos exigir os nossos direitos, há muita gente que não o faz.

Felizmente, eu sempre tive a possibilidade de poder fazer o que me apetece. Nunca me senti subjugada. Nunca na vida permiti que alguém tentasse, de alguma maneira, privar-me de algum direito. Nós não temos de pedir direitos iguais, nós temos de os exigir. E foi isso que eu fiz a vida toda.

Como dizia há pouco, muitas pessoas me disseram que eu ajudei ao empoderamento feminino, porque a partir do momento em que apareci com determinadas roupas, as mulheres da minha idade começaram a achar que também podiam vestir-se assim. Foi quase que um 'statement', apesar de não ter sido pensado com essa intenção. Estamos a falar de há 32 anos, na Europa. Sabemos que o mundo mudou, mas também sabemos que existem muitos países que até estão mais atrasados do que antigamente. Muitos países regrediram e acho que temos de continuar a falar dos direitos das minorias.

As pessoas não percebiam que havia ali uma percentagem de modelos que realmente não eram para vender, eram só para espetáculo

O que sente que falta desmistificar relativamente ao mundo da moda e dos estilistas?

Hoje em dia, em qualquer desfile, tento ser inclusiva. Tenho sempre pessoas 'plus-size', mais velhas, de todas as etnias. Tenho sempre corpos mais magros, mais cheinhos, mais altos, mais baixos. Os meus desfiles, desde há muitos anos, são sempre inclusivos. Neste momento, eu posso fazer isto. É uma tendência internacional. Mas no início da minha carreira, as coisas eram muito diferentes. Eu própria era mais jovem e apresentava desfiles que, para alguns, eram incompreensíveis. As pessoas não tinham noção do espetáculo. Acho que, atualmente, já perceberam que um desfile de moda é um espetáculo. Mas, naquela altura, não entendiam por que é que se apresentavam determinados modelos. A verdade é que eram esses - os mais exuberantes - que a imprensa ia buscar e publicava. Posto isto, havia pessoas que achavam que eu só fazia aquilo. Então, se só fazia aquilo, a roupa não era para elas. Era uma roupa maluca que não era para vender. As pessoas não percebiam que havia ali uma percentagem de modelos que realmente não eram para vender, eram só para espetáculo.

Hoje em dia - mesmo as peças mais exuberantes - se forem transparentes, podem ser forradas; se tiverem decotes gigantes, podem ser mais pequenos; as rachas podem ser fechadas. Ou seja, todas as peças que eu apresento em passerelle são para vender. E são outros tempos! As pessoas já se habituaram aos desfiles e à moda de autor. Cada vez mais se fala em moda de autor como uma aposta. Moda para deitar fora só faz mal ao planeta. Portanto, acho que a sustentabilidade tem de tender para uma moda de autor, uma moda para guardar e não para uma que seja para usar e deitar fora.

© Fátima Lopes

Sentiu dificuldade em adaptar-se aos novos tempos e tornar os seus desfiles mais inclusivos?

Desde o meu primeiro desfile que inclui todas as etnias nas minhas coleções. Não tenho a certeza, mas acho que fui das primeiras pessoas a fazer desfiles inclusivos. Há 32 anos já o fazia. Mas a verdade é que, para mim, é normal e natural incluir todo o tipo de corpos.

É preciso lutar muito para que as coisas aconteçam e eu sou uma pessoa muito determinada. Sou muito apaixonada por aquilo que faço, logo, trabalhar não é um sacrifício. Faço com gosto e com prazer

O que está por detrás da postura confiante que vemos sempre na Fátima Lopes?

Eu sou uma pessoa normal que gosta daquilo que faz. Independentemente da quantidade de horas que trabalho - que são muitas. Eu não trabalho oito horas por dia. Trabalho, no mínimo, dez. E há alturas em que são 12 ou mais. Por exemplo, para o último desfile [coleção F/W no Museu dos Coches] trabalhei durante meses, todos os dias, sete dias por semana, sábados, domingos e feriados. As coisas não caem do céu. É preciso lutar muito para que as coisas aconteçam e eu sou uma pessoa muito determinada. Sou muito apaixonada por aquilo que faço, logo, trabalhar não é um sacrifício. Faço com gosto e com prazer. E como eu me dedico àquilo que faço, sei que faço bem feito. Atualmente, acho que já não tenho de provar nada a ninguém e sei que são poucas as pessoas da minha área que me irão dar lições.

Faço questão de, a cada coleção, elevar o nível. As minhas confecções cada vez são mais difíceis e claro que a minha equipa de trabalho, mesmo a de atelier, é uma equipa muito profissional. Portanto, há aqui um nível muito alto de exigência e isso traz automaticamente confiança. Quando apresento uma coleção, tenho noção do valor do que lá está. Tenho noção da qualidade. Eu trabalho para os meus clientes e tenho um grande sentido de responsabilidade para com eles.

© Fátima Lopes

O que se pode esperar da Fátima Lopes daqui para a frente?

Acho que o que fiz ao longo da minha carreira foi criar um estilo - que é o meu. Não é igual a ninguém, nunca foi suposto ser. Portanto, isso fez com que eu criasse uma marca. 'Fátima Lopes' é uma marca que está ligada a muita coisa. Não é só moda. Muitos dos produtos que foram além da moda, nasceram com a marca 'Fátima Lopes'. E eu acho que quem tem jeito para criar um produto, tem jeito para criar qualquer coisa. A 'Fátima Lopes' é um estilo, é uma marca e enquanto eu tiver saúde, vou continuar a fazer mais e melhor.

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