A forma como a tramitação do texto da reforma tributária ocorreu na Câmara dos Deputados tem levantado pontos de atenção para especialistas do setor. Um deles está relacionado à quantidade de itens que tiveram sua redação e definição postergados para serem definidos por Lei Complementar após a aprovação da medida. No texto apresentado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP), há mais de 50 menções a critérios que deverão ser definidos posteriormente. Especialistas avaliam que, apesar dessa estratégia ter facilitado a aprovação, também deixa em aberto pontos importantes e sensíveis. Contudo, questões específicas deverão ser decididas em processo legislativo menos burocrático.
Advogado constitucionalista e tributarista do ALE Advogados, Ariel Uarian observa que uma das grandes dificuldades de aprovar a reforma tributária é que ela afeta os interesses de diversos atores e setores econômicos, que tendem a trabalhar contra a medida. “A estratégia de aprovação da PEC 45/2019 passou o que é consenso e deixou os maiores dissensos para serem regulados por meio de lei complementar, que exige maioria absoluta. Desse modo, a aprovação foi facilitada por deixarem para regular questões mais específicas para um momento posterior. O grande problema dessa estratégia é que pontos sensíveis e importantes não ficam definidos com a promulgação do texto. Por outro lado, facilita a se chegar a um consenso, já que o quórum necessário para aprovar uma Lei Complementar é menor do que para aprovação de PEC”, indica.
De acordo com Alison Fernandes, consultor tributário da Macro Contabilidade e Consultoria, a Constituição Federal procura estabelecer princípios gerais da tributação, determinando competência e limitações do poder. “Logo, a ausência de alguns itens na PEC não é algo estranho em termos técnicos. O que não significa dizer que é possível melhorar o atual texto, buscando evitar diferentes interpretações das pretendidas pelo constituinte. Quanto as leis que deveram ser editadas como forma de regulamentar o texto constitucional, necessariamente precisam estar em uniformidade com a Constituição Federal sob pena de serem consideradas inconstitucionais e serem retiradas, eliminando todos os efeitos produzidos. Nesse sentido, se há um ponto positivo no longo período de transição, está na possibilidade de analisar a constitucionalidade das leis infraconstitucionais publicadas”, analisa.
Dylliardi Alessi, advogado tributarista sócio do Peccinin & Alessi Advocacia, explica que a aprovação de leis complementares é feita por meio de um processo bem menos burocrático, tendo como principal diferença a necessidade do quórum de maioria qualificada. “Além de reduzir significativamente o número de votos necessários, o trâmite dos projetos de lei complementar é bem mais célere, facilitando adequações posteriores. Não se pode dizer que há possibilidade de total desconfiguração do texto aprovado. As leis complementares servem para regulamentar o texto constitucional, mas não tem o poder de contrariar as regras gerais já aprovadas. É normal e até adequado que a Constituição Federal não adentre em pormenores, mas traga regras gerais para que os detalhes sejam feitos em legislação regulamentadora. Entretanto, da forma como foi aprovada a reforma, normas relevantíssimas só serão conhecidas após a discussão e votação desses projetos que ainda não foram disponibilizados”, ressalta.
Os temas de maior destaque que dependem de regulamentação são as alíquotas dos impostos, a definição dos produtos da Cesta Básica Nacional que terão alíquota zero, os critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional, os detalhes das operações com serviços como educação e saúde que terão alíquotas reduzidas, os regimes específicos, as regras de funcionamento do Conselho Federativo e, finalmente, os detalhes da distribuição da arrecadação entre os Estados.
Fernandes pondera que o momento está para mais para a definição do texto constitucional com estabelecimento de regras gerais do que o detalhamento das medidas. “Dar início à discussão de normas infraconstitucionais para discussão de pormenores foge do objetivo da aprovação da PEC e poderá inviabilizar o trâmite da atual proposta. Por outro lado, é salutar o Congresso avaliar por meio de comissões reuniões técnicas como possíveis textos a serem utilizados nas leis, a fim de dar clareza para a população do que teremos pela frente, diminuindo assim preocupações legítimas da ausência de temas na PEC”, considera.
Dylliardi relembra que a PEC previu uma transição lenta do atual sistema para o novo. Para ele, não há problema de que os detalhes sejam feitos por lei complementar. “Mas espera-se que, especialmente nessa transição, os projetos sejam encaminhados ao debate público com bastante antecedência. Isso permite que a sociedade, os governadores e os parlamentares estudem com tempo razoável os impactos da regulamentação, pois a reforma deve continuar no centro das discussões em razão da relevância do tema para as questões sociais e econômicas do Brasil”, estima.
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