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"Homeopatia é uma furada", diz professor da USP em meio à discussão sobre rebaixamento da terapia no CFM

A homeopatia, reconhecida como especialidade médica desde 1980, pode ter sua condição revista devido a recentes análises do Conselho Federal de Medicina (CFM).


A homeopatia, reconhecida como especialidade médica desde 1980, pode ter sua condição revista devido a recentes análises do Conselho Federal de Medicina (CFM). Envolta em polêmicas pela falta de evidências científicas, o tema voltou a ser assunto depois do lançamento do livro “Que Bobagem”, de Natália Pasternak e Carlos Orsi, e ganhou força após uma entrevista concedida pelo vice-presidente da CFM, Jeancarlo Cavalcante, ao jornal “O Estado de S. Paulo”, em que afirmou que o conselho, “como órgão regulador, está aberto para novas discussões caso as evidências sejam questionadas”. Segundo Cavalcante, o tema será levado à “apreciação” dos membros do grupo. A fim de jogar luz neste debate, o site da Jovem Pan entrevistou o acadêmico Beny Spira, professor do Instituto de Ciências Biológicas da USP, com doutorado em genética molecular pela Universidade de Tel-Aviv e pós-doutorado na Universidade de Sydney, que afirma que o tratamento é “uma furada”. Segundo Spira, por não ter base científica o efeito da medicação da homeopatia é “nulo ou muito pouco”, como um placebo. Contudo, para o cientista, o rebaixamento da homeopatia da categoria de especialidade médica “não vai impactar nada”. Para ele, o uso dessas medicações não fazem mal, e as pessoas que a utilizam são movidas por outras crenças.

A Jovem Pan procurou o Conselho Federal de Medicina, que não respondeu a um pedido de posicionamento. Quem falou com a reportagem foi o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), destacando que “reconhece a homeopatia como especialidade médica, assim como o Conselho Federal de Medicina faz desde 1980. Do mesmo modo, a Associação Médica Brasileira também chancela a especialidade, que é baseada na efetividade de medicamentos homeopáticos para prevenção e tratamento de doenças”. O Sistema Único de Saúde disponibiliza o tratamento em sua rede, bem como outras Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) como biodança, musicoterapia, constelação familiar, meditação e terapia de florais.

“As Pics integram e complementam tratamentos convencionais, contribuindo para a identificação das causas e melhoria de sintomas que afetam o bem-estar das pessoas, inclusive para problemas crônicos de saúde”, destaca o Ministério da Saúde. Já Spira chama de “gasto desnecessário” essa oferta do sistema de saúde pública do país. “Uma vez que a homeopatia é uma pseudociência, realmente é gasto de dinheiro público para algo que não funciona”, declarou o cientista na entrevista ao site da Jovem Pan.

Por que na sua opinião a homeopatia é uma pseudociência?
Porque a homeopatia contradiz preceitos muito bem estabelecidos pela ciência nas áreas de química, física e farmacologia. Que preceitos são esses? No preceito que determina dose e efeito. Entendemos que, quanto maior a dose, maior o efeito. Na homeopatia acontece o oposto. Isso não faz sentido nenhum e vai contra tudo o que conhecemos sobre química e farmacologia. Esse é o principal motivo que torna a homeopatia uma pseudociência. O segundo pilar da homeopatia é a ideia de que similar cura similar. Os supostos medicamentos homeopáticos se baseiam na ideia de que o que causa um sintoma serve para combater a doença que causa o mesmo sintoma. Isso não é completamente absurdo, a ideia até que poderia ser válida, pois não contradiz nenhum preceito fundamental da ciência. Porém, não foi demonstrada, ou seja, não há nenhuma evidência de que isso realmente seja assim.

O mecanismo pelo qual supostamente homeopatia funciona é furado, para usar uma palavra mais simples. Por isso que é uma pseudociência. Agora, você poderia argumentar: “Está certo, a gente não sabe o mecanismo, mas ela funciona na prática”. Isso também não é verdade. A verdade é que você vai encontrar na literatura estudos clínicos que mostram algum efeito de homeopatia sobre alguma enfermidade. Geralmente, com enfermidade não muito grave, lógico! São efeitos pequenos, geralmente de pouca importância clínica, que a gente pode chamar talvez de um ruído. Isso você vai encontrar em qualquer teste clínico, por exemplo, quando usa placebo. Para evidenciar essa ideia, por exemplo, em um estudo clínico com antibiótico, o efeito está na ordem de 98%. Isso significa que ele vai realmente ter um efeito positivo na grande maioria dos casos, quase todos. Agora, na melhor das hipóteses quando você testa algum medicamento homeopático, vai ter “efeitozinho” de no máximo 20%. É muito difícil separar isso de um efeito placebo. Isso não faz ela ser uma pseudociência, mas indica que é fraquinho, não é? Já a ciência funciona. Por exemplo, você entra no avião e vai de um lugar ao outro utilizando leis da ciência, como a aerodinâmica e a gravidade. Não é que a ciência não falhe nunca. Por ser uma atividade social, em alguma medida, não é perfeita, mas majoritariamente a ciência tem esse poder. Enquanto as pseudociências têm alegações que não são muito bem evidenciadas.

Beny Spira, professor do Instituto de Ciências Biológicas da USP, com doutorado em genética molecular pela Universidade de Tel-Aviv e pós-doutorado na Universidade de Sydney (Marcos Santos/USP Imagens)

A homeopatia é perigosa?
Na verdade, a homeopatia não é perigosa. Você pode tomar uma overdose de medicamento homeopático e não vai acontecer nada. O único perigo da homeopatia seria uma pessoa com enfermidade mais séria, que, ao invés de se tratar com medicamentos que possuem evidências médicas concretas, recorre à homeopatia. Aí a pessoa pode se dar mal, não é? Nesse caso tem um perigo.

Como analisa a exclusão da homeopatia como uma categoria médica?
No Brasil a homeopatia é reconhecida como uma categoria médica clínica, mas, como eu disse, ela é inofensiva. Na medida em que ela não tem o lugar do tratamento convencional, é completamente inofensiva. Talvez, é um atestado da nossa incompetência ao manter a homeopatia como uma modalidade médica. Usando uma alegoria: combater a homeopatia é igual dar pontapé em cachorro morto. Enfim, não tem porque ficar batendo nessa mesma tecla. Agora, se há o Conselho de Medicina que reconhece como uma modalidade médica, que seja assim. Como eu disse: a homeopatia não tem contraindicação, só se for utilizada em substituição à medicina convencional.

Se realmente acontecer, qual impacto da decisão de “rebaixar” a homeopatia?
Nenhum! Porque quem acredita, e eu estou usando a palavra acredita no sentido de fé, vai continuar usando. Eu não acho que deve ser proibido. De jeito nenhum, tá? Quem quiser usar, que use. Existe um efeito placebo embutido no tratamento homeopático, e ele pode ser importante, sim. Do ponto de vista científico, o medicamento é ineficaz, mas existe o efeito placebo. A forma como o organismo da pessoa combate doenças é extremamente complexa, isso envolve questões psicológicas também. Não vejo nenhum problema com isso. A pessoa só vai estar gastando seu dinheiro à toa.

Os tratamentos do SUS com homeopatia devem ser interrompidos? Trata-se de um desperdício?
É uma questão de utilização de dinheiro publico. Uma vez que a homeopatia é uma pseudociência, realmente é gasto de dinheiro público para algo que não funciona. Neste caso, é discutível, tá? Rigorosamente, não deveria, porque é um gasto de dinheiro público.

O oferecimento de homeopatia na rede pública por tanto tempo foi um erro?
É a mesma lógica. Já que o poder da homeopatia é nulo, então não deveria. Com o dinheiro público a gente deve ter muito cuidado. No particular, a pessoa tem o direito de utilizar o medicamento que quiser. Agora não, com o dinheiro público, que deve ser bem gasto.

Deve-se ensinar homeopatia na universidade de medicina?
Não, de jeito nenhum! A não ser para você ensinar aquilo que não deve ser feito. Não tem nenhuma base científica! No particular, se estuda o que quiser, assim como as pessoas seguem religiões diferentes. Ninguém tem nada a ver com isso. Na universidade particular, deve-se ter o direito de ensinar e aprender o que se quiser. Já na área pública, novamente esbarra nessa questão do gasto do dinheiro público. Gastar dinheiro público com coisas que são pouco científicas é complicado.

jovem pan

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