A sabedoria que emerge dos sonhos, narrativas transmitidas por gerações e as histórias que são escritas no tempo presente se entrelaçam na exposição Araetá: A Literatura dos Povos Originários.
Assim, o público, ao entrar na Casa de Saberes, tem a sensação de poder sentar em bancos rústicos de madeira, a volta de uma fogueira, e folhear livros xamânicos, que tratam de filosofia e cosmologia.
"No meio da noite/ bem ao redor da fogueira/ de luta e glória/ muitas histórias ouvimos/ Aqui, estamos!/ E apesar das perdas/ a luta continua no solo sagrado", dizem os versos da poeta Graça Graúna, que tratam da sobrevivência da cultura dos povos originários e a forma tradicional de transmissão de conhecimentos."A escrita não é uma negação da oralidade, é uma complementariedade", explica o escritor Daniel Munduruku em um dos vídeos que compõe a exposição. Para ele, "a literatura serve como instrumento para atualizar a ancestralidade".
Os livros impressos, alguns por grandes editoras, dividem espaço com cestarias tradicionais e outros trabalhos artesanais. Ao longo da exposição, que se divide a partir dos biomas onde estão localizadas as comunidades de origem dos autores, também há diversas fotos das batalhas que são travadas pelos povos indígenas no tempo presente. Em vários pontos, há imagens, por exemplo, das manifestações contra o Marco Temporal – tese que está sendo julgada no Supremo Tribunal Federal de que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988.
Em alguns lugares os versos escorrem pelas paredes, como no poema Makunu'pa, de Sony Ferseck, que desce como um rio sinuoso, na parte da mostra dedicada a artistas da Amazônia. "Caminhos dos peixes/ que se enfeitam/ Nas cachoeiras/ imantí pí pona'/maroko watarikuma/ lavrando na terra/ veios que alimentam/ tesos de buritizal", dizem os versos da poeta macuxi.
A literatura de cordel, formato tradicional do Nordeste brasileiro, é a linguagem escolhida pela escritora Auritha Tabajara. No livro autobiográfico, que pode ser folheado na exposição, se misturam as vivências tradicionais na comunidade Ipueiras, no interior do Ceará, com dramas contemporâneos, como a disputa da guarda dos filhos e a vida de uma mulher indígena na cidade de São Paulo.
"Hoje, me sinto estudada, /Só não pude ser doutora,/ À luz da ancestralidade,/Honro minha genitora./Ouço seus ensinamentos,/ Tradições e conhecimentos/De uma grande professora", diz um trecho da obra Coração na aldeia, pés no mundo, lançada em 2019.
"A Senhora da Noite é a Coruja:/Ela reflete a sabedoria de nosso Pai,/ O Sol do amanhecer", dizem os versos do renomado escritor paulista Kaká Werá, que vem logo abaixo da versão em língua guarani. Werá é ainda um dos curadores da mostra.
Em depoimento em vídeo, ele conta sobre a importância da construção de um movimento de literatura indígena brasileira, a partir da década de 1980. "A oportunidade da gente se encontrar, as culturas ancestrais e as contemporâneas", diz.
Para ler com calma, há uma biblioteca com 300 de títulos, e bancos artesanais feitos em formato de animais. A construção do espaço buscou obras exclusivamente de autores indígenas, apesar que parte dos livros de não ficção contam com coautores que não fazem parte dos povos tradicionais. Há ainda entrevistas e dicionários de línguas faladas no Brasil.
A exposição pode ser vista gratuitamente até 17 de março de 2024. O Sesc Ipiranga funciona de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 21h30. Domingos e feriados, das 10h às 18h30.