Foi às 18h15 desta segunda-feira (9) que o poeta, intelectual e escritor Mario de Andrade, trajando um terno branco bem cortado, chapéu e trazendo um buquê de rosas brancas nas mãos, chegou de táxi à sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um casarão histórico instalado na Avenida Angélica, em São Paulo.
Para celebrar a data, o Iphan promoveu uma cerimônia com leitura de cartas escritas por Mário de Andrade para Rodrigo Melo Franco de Andrade, ambos responsáveis pela fundação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje o Iphan.
O intelectual teve papel fundamental na trajetória da preservação cultural em São Paulo e no Brasil, publicando sobre a arte, cultura e identidade brasileiras. Em 1937, a convite do então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, redigiu o anteprojeto de criação do Sphan.
O evento de aniversário ocorreu na sede da superintendência paulista do Iphan.
O casarão que abriga a sede do instituto desde 2010, em São Paulo, é da primeira década do século 20 e foi construído pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo para ser a residência de dona Sebastiana de Sousa Queirós. O escritório de Ramos de Azevedo também foi responsável por outros edifícios emblemáticos na capital paulista como o Theatro Municipal, a Pinacoteca e a Casa das Rosas.
Integrante do Teatro Oficina, fundado por Zé Celso, falecido recentemente, Pascoal da Conceição interpreta Mário de Andrade há muitos anos, tendo feito minisséries, teatro e performances, devido à sua semelhança física com o poeta. Pascoal também é um estudioso da obra e vida do escritor.
"Desde 1989 eu interpreto o Mário", contou ele à reportagem da Agência Brasil. "Na verdade, em 1989, eu fui em um evento da cidade, no Solar da Marquesa de Santos, e fui convidado para falar um poema do Mário de Andrade. Mas só fui saber que eu era parecido com o Mário de Andrade em 1994, quando emitiram uma nota [moeda] de quinhentos mil cruzeiros [que tinha estampada a figura do escritor]", falou.
"O Mário de Andrade viveu como todos nós perrengues econômicos, governamentais, culturais, de vida. Mas, com sua inteligência, ele deixou em sua obra um grande legado de como era viver cada um desses momentos. Ele é exemplo de pessoa que vive sua vida com grandeza", falou o ator.
Já o historiador, antropólogo, músico e ator Danilo Nunes, superintendente do Iphan em São Paulo, interpretou Rodrigo. "O Rodrigo Melo Franco de Andrade foi o primeiro superintendente [do Iphan]", disse ele, também em entrevista à Agência Brasil.
"O Iphan cuida de bens materiais, móveis, imóveis e imateriais. Temos uma instituição de patrimônio cultural que muitas vezes foi 'europeizada', trouxe uma visão europeia para cá. E nós, brasileiros, precisamos olhar também para o que temos aqui, nossas comunidades. Não existe muro sem ser humano. E não existe ser humano sem lugar. O patrimônio é o que a gente faz. O ser humano é patrimônio e o Iphan tem que cuidar de tudo isso", disse Danilo.
Para Pascoal da Conceição, o escritor Mário de Andrade foi importante não só pelo que escreveu ou criou, mas por ter pensado também na ideia do patrimônio imaterial. "O Mário de Andrade, em 1937, fez um anteprojeto para que o patrimônio da humanidade não fosse só o patrimônio material. Ele colocou como patrimônio as casas de pescadores, as cruzes de beira de estrada, os instrumentos de trabalho e indígenas. E depois ele criou uma outra categoria, a de patrimônio imaterial - que ele dizia que tinha mais potência que os outros - como as cantigas, as receitas, o samba, entre outros", falou.
"Isso só vai ser reconhecido pela Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] em 1960. E ele falou sobre isso em 1937. Ele elevou em uma categoria de patrimônio uma sabedoria que, muitas vezes, ficaria em segundo plano. Coisas que estamos vendo serem cada vez mais importantes como os saberes indígenas e quilombolas. Ele foi o primeiro a fazer isso", explicou o ator.
Durante sua apresentação nesta noite, Pascoal da Conceição leu o trecho de uma das cartas escritas por Mário.
"Chora, irmão pequeno, chora,
Cumpre a tua dor, exerce o rito da agonia.
Porque cumprir a dor é também cumprir o seu próprio destino".
E, ao final dessas leituras, foi saudado pelo público. "Viva, Mário! Viva!", gritaram os convidados da festa.
O evento se encerrou após um parabéns tradicional, com direito a um bolo de aniversário e três velinhas, que Mário apagou com um sopro.