Educação Prêmio Professor Porvir

Alunos de comunidade rural desenvolvem leitura e escrita por meio de crônicas

Na aula seguinte, levei para a turma uma atividade de leitura, interpretação e escrita para diagnosticar as dificuldades dos alunos.

Por Rede Vida Brasil

20/10/2023 às 02:04:46 - Atualizado há

Na aula seguinte, levei para a turma uma atividade de leitura, interpretação e escrita para diagnosticar as dificuldades dos alunos. Após esse exercício, analisei as atividades, mapeei os principais problemas de escrita e corrigi, com eles, na lousa, questões relativas à ortografia, concordância entre os termos, aspectos formais e informais na escrita, além de aspectos organizacionais do texto, como a ausência de parágrafos. Constatei aqui o primeiro grande desencontro entre a leitura e a escrita dos estudantes, pois até os que liam bem tinham uma escrita frágil.

A partir deste diagnóstico sistematizado, resolvi centrar as atividades no gênero em estudo, no caso a crônica. Foram muitas atividades para sanar as dificuldades supracitadas, até eu perceber que o avanço não era o esperado. Intensifiquei as atividades de leitura, sempre chamando a atenção para a expressividade do texto, observando pontuação, o tom do texto, entre outros aspectos.

Também ressaltei os objetivos do projeto:

  • Incentivar os alunos de uma turma de nono ano para o exercício da leitura de fruição e a escrita autoral;
  • Ler, considerando elementos de entonação e expressividade; 
  • Grafar a língua conforme a norma padrão, reconhecendo suas variações e as diferentes situações de uso da língua formal e informal;
  • Reconhecer, por meio da escrita autoral, os papéis sociais do autor e do leitor, além da finalidade e do campo de atuação do gênero escrito;
  • Conhecer o gênero crônica, as marcas linguísticas do gênero e autores cronistas;
  • Ressignificar o ensino de língua portuguesa para o uso social desta, tendo como aporte os eixos oralidade, leitura e escrita.

Seguindo a rota, convidei-os a um passeio pelo gênero crônica a partir das indagações: Que gênero é  este? Pensando nas leituras que fizemos, que características desse gênero é possível destacar? Por que será que tantos autores se dedicaram a escrever crônicas? Em qual campo de atuação podemos encontrá-las? A participação deles nesta conversa foi bem mais significativa, e, juntos, percebemos como esse gênero está presente no nosso dia a dia.

Cientes dessa presença e de sua finalidade, lancei novos questionamentos em sala: Quais fatos vocês acham que podem ser noticiados em sua comunidade, ou seja, o que poderia virar notícia? Logo vieram as contribuições, voltadas às várias situações que acontecem ou aconteceram na comunidade, umas engraçadas, outras socialmente críticas… Diversos tons embalaram nossa prosa naquela aula. Naquele instante, iniciamos uma nova etapa no projeto: a escrita autoral de crônicas.

No vídeo a seguir, você confere o passo a passo do projeto:

Estudantes autores e protagonistas

Para a escolha dos temas sobre os quais os estudantes escreveriam, fizemos uma dinâmica bem interativa. Coloquei os assuntos pré-selecionados por eles numa caixinha e levei plaquinhas com os dizeres “curtir”, “comentar” e “compartilhar”, para que marcassem os temas (foi a forma que encontrei de efetivar a interação entre eles). Assim, percebi que os temas polêmicos (alcoolismo, estiagem, depressão e ansiedade, política) eram os mais comentados, os humorísticos (como as conversas entre vizinhas, fábulas populares) chamavam muito a atenção e, em sua maioria, compartilhados, e os líricos (como namoro na adolescência) eram curtidos por todos.

Chegamos ao encontro do aluno com a escrita autoral. Foram muitas as leituras para apropriação do gênero em estudo, somadas a escrita, revisão e reescrita dos textos, ora mediadas pelo professor, ora pelos alunos monitores, que já haviam aprendido sobre crônica e auxiliavam os colegas (prática que os levou a serem convidados para socializarem suas produções em outras escolas do município). Assim, criaram um grupo chamado de “Intercâmbio de Leitura”, percorrendo, antes da pandemia, por outras unidades escolares onde participavam de rodas de leituras com os alunos e falavam do quanto as atividades serviram para eles como uma fuga do estresse, da ansiedade e da depressão, como você pode conferir no vídeo a seguir.

Eles também contavam que os textos, escritos sobre suas realidades, fez com que saíssem do anonimato na cidade: publicamos uma coletânea digital com 24 crônicas, que podem ser lidas neste link

Os alunos buscaram os temas para suas crônicas na sua própria vivência. Socializaram as aprendizagens também com a comunidade escolar, compartilhando seus textos e a experiência vivida no projeto. Dentre outras questões, falavam da função social da leitura na vida de uma pessoa. 
Alguns deles participaram de uma formação para professores de língua portuguesa a convite da coordenadora pedagógica do município de Paripiranga, Gilza Andrade Cruz. Na conversa, explicaram como foi motivador o estudo do gênero crônica, pois podiam escrever sobre o dia a dia deles.

Em 2020, gravamos as crônicas e criamos um podcast, que você pode ouvir clicando no player abaixo:

Com a volta das atividades presenciais, publicamos, em 2022, as “Crônicas do meu lugar” no formato de livro, pela Filos Editora. Reencontrei toda a turma, que hoje está no ensino médio, e entreguei a eles um exemplar. A ação aconteceu na praça da Igreja, com apoio da Secretaria da Educação. Atualmente, estamos trabalhando para lançar uma nova edição. Gostaria muito de retomar o projeto e conseguir apoio para levar oficinas a outras escolas e fazer ações pela cidade.

Acredito que todo projeto de sala de aula, por natureza, se encaminha para a interdisciplinaridade, Não é escolha do professor que sua prática seja interdisciplinar, o próprio contexto do projeto, suas atividades nos apontam essa para tal forma. Por isso, defendo que um projeto de sala de aula tem em si uma proposta de PTO (Prática Textualmente Orientada). Assim, dialogamos com língua portuguesa, literatura, redação, ciência, tecnologia e educação artística.

Arquivo pessoal Reencontro da turma em 2022

Era um sonho meu e dos alunos poder publicar um livro que falasse das nossas escrevivências (parafraseando a escritora Conceição Evaristo). E conseguimos.

Fonte: PORVIR
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