O Pacotão, um dos blocos de carnaval de rua mais tradicionais de Brasília, famoso pelo bom humor e críticas à política nacional, ampliou horizontes e, na edição de 2024, deu destaque especial a grupos de foliões que tinham uma "causa internacional" para chamar de sua.
Constantino mora na Morro da Babilônia e integra o Movimento Nacional das Favelas e Periferias. O carioca vestia uma camisa com a imagem de Thomas Sankara, ex-presidente de Burkina Faso, país localizado na África Ocidental. "Ele foi um revolucionário democrático e popular. Infelizmente sofreu um golpe de Estado financiado pelo governo francês", explicou.
A escolha da vestimenta foi motivada pelo ambiente de "diálogo com as massas" que é permitido durante o carnaval. "Quero agora me juntar com a Ala da Causa Palestina", acrescentou ao se referir ao grupo que já estava se posicionando para dar início ao histórico percurso do bloco, na contramão da W3 – uma das vias da capital federal.
A Ala da Causa Palestina citada por ele tinha, entre seus organizadores, o jornalista Pedro Batista, 60 anos, integrante do Comitê de Solidariedade ao Povo da Palestina. "Estamos aqui para mostrar o sofrimento, o genocídio e o extermínio que está sendo colocado em prática contra os moradores de Gaza", disse.
"E, a exemplo da arte, o carnaval é também espaço de denúncia. Caso contrário, nada mais é do que uma pasteurização da indústria cultural para deixar as pessoas alienadas. Arte e carnaval, quando não incomoda, é apenas enfeite. Seja no carnaval, seja na música, no cinema ou na poesia, arte existe para defender a vida e a dignidade humana", acrescentou.
Alguns foliões estavam com camisetas em referência ao Hamas, como o servidor público Ieri Júnior, 34 anos, que, em entrevista à Agência Brasil, defendeu que o grupo age contra alvos militares, em "resistência pela libertação da Palestina, em defesa dos oprimidos pelo imperialismo de Israel"
Portando uma bandeira bastante parecida com a da Palestina, um outro grupo aproveitou a aglomeração do bloco para falar sobre a ocupação de dois terços do território de um país pouco conhecido pelos brasileiros: o Saara Ocidental (República Árabe Saharaui Democrática).
"Esta é uma causa que defendemos desde 1975", disse o psicólogo Toninho Andrade, 70 anos "O Saara Ocidental foi uma colônia espanhola. Após se libertar da Espanha, foi invadido e ocupado por Marrocos e, desde então, busca sua independência", acrescentou, referindo-se ao único país árabe que tem como idioma oficial o espanhol.
Os defensores da causa levaram, ao Pacotão, o representante da Frente Polisário, que lidera o povo saaraui, no Brasil, Ahamed Mulay Ali Hamadi. Segundo ele, 84 países já reconhecem o Saara Ocidental. "Infelizmente, o Brasil ainda não nos reconhece. Estou aqui tentando fazer com que as pessoas conheçam a nossa história", disse à Agência Brasil o representante, que acrescentou estar em negociação para tentar o reconhecimento do país pelo governo brasileiro.
A região do Saara Ocidental, na África, está em disputa há mais de 40 anos pelo povo saaraui e pelo Marrocos. Na América do Sul, o Brasil, a Argentina e o Chile são os únicos países que ainda não reconhecem sua soberania.
No final do bloco, estava o grupo de fanfarra Muralha Antifascista, com repertórios que iam desde Pink Floyd (com a música Another Brick in the Wall, uma crítica ao sistema educacional britânico) até Raul Seixas (com a música Sociedade Alternativa, que propõe rompimento contra padrões tradicionais).
"Nascemos como um movimento crítico ao governo Bolsonaro, mas avançamos também para outras causas, como a feminista", apresentou-se o integrante do grupo, Eudaldo Sobrinho, 38 anos.
A temática nacional estava presente também na camisa do engenheiro agrônomo João Neto, 75 anos, que estampava o rosto do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no corpo de um dos guerreiros espartanos do filme 300. "Xandão mereceu a homenagem porque conseguiu segurar as rédeas jurídicas na defesa da democracia".