Em um país onde as eleições executivas a nível municipal, estadual e federal são vencidas no voto popular, compreender o sistema da eleição presidencial americana pode ser um grande desafio.
Em um país onde as eleições executivas a nível municipal, estadual e federal são vencidas no voto popular, compreender o sistema da eleição presidencial americana pode ser um grande desafio. Em Salvador, no estado de São Paulo ou nas eleições presidenciais ganha o candidato com mais votos, em alguns casos em que há dois turnos, o candidato acima de 50% dos votos válidos. Parece simples e é mesmo, afinal, esse modelo é seguido por grande parte das repúblicas presidencialistas democráticas do mundo. Todavia, a "mãe" de todas as repúblicas presidencialistas, os Estados Unidos da América, segue um sistema de votação através do colégio eleitoral, onde a matemática básica ainda é a resposta, mas com algumas equações adicionais.
O modelo americano possui 538 delegados que são divididos pelas 50 unidades da federação mais o Distrito de Columbia (onde temos a capital Washington), sempre seguindo proporcionalmente as suas respectivas populações. Nesse cenário, a Califórnia, com mais de 38 milhões de habitantes, representa 54 delegados dentre os 538, ou seja, pouco mais de 10% do total de delegados, mesmo tendo mais de 10% da população americana. Estados de média população, como Nova Jersey, Colorado e Virgínia, representam 14, 10 e 13 delegados respectivamente, enquanto estados pouco populosos como Alasca e Wyoming possuem 3 delegados cada. Nessa corrida maluca, a aritmética básica se mantém e o presidente eleito é aquele que conseguir arrematar uma combinação de delegados que resultar em 270 ou mais, tendo assim maioria absoluta dentro de 538 para conseguir se eleger. A grande problemática desse sistema todo é que dentro de 48 dos 50 estados acontece uma eleição individual, onde o candidato que venceu leva automaticamente todos os delegados desse respectivo estado. Para ilustrar essa situação, peguemos como exemplo o grande estado de Minessota, no meio oeste dos Estados Unidos. Minessota possui 10 delegados alocados a seu estado dentro dos 538. Supomos em um cenário hipotético, que Donald Trump vença as eleições internas de Minessota por 50,01% dos votos, enquanto Kamala Harris atinge a marca 49,99%. Em um cenário justo cada um deles levaria 5 delegados para sua própria conta, mas, no sistema vigente, Trump levaria os 10 delegados, e Kamala ficaria sem nenhum.
Exatamente por isso que estados muito homogêneos e com o mesmo perfil de voto representam tão pouco para a corrida à presidência. Utilizando novamente a Califórnia como exemplo, os democratas ganham por lá desde 1992 de maneira contínua, o que nos mostra o claro perfil progressista californiano e nos encaminha a concluir que mais uma vez será um território garantido na conta da atual vice-presidente. Desta vez utilizando o Texas como exemplo, por lá os republicanos venceram todas as eleições desde 1980, e apesar de um perfil demográfico que se altera rapidamente em cidades como Austin e Houston, podemos falar com grande probabilidade de acerto que os 40 delegados texanos estarão na conta do republicano Trump. Seguindo essa lógica, temos vários estados azuis-democratas, e muitos outros vermelhos-republicanos e que, nos cálculos dos realistas, já estão assegurados para um lado e para o outro. Com isso a disputa se torna verdadeiramente competitiva naqueles que chamamos de swing states, ou em português, os estados pendulares, onde o padrão de votação recente mostra que tanto republicanos, quanto democratas podem vencer, abrindo assim a possibilidade para múltiplas combinações de somas de delegados para se chegar ao sonhado número de 270. No atual contexto de uma campanha extremamente polarizada, muito acirrada e com tantos acontecimentos impactantes em curto período, são 7 os estados que são verdadeiramente pêndulos: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Sete unidades da federação muito diversas entre si no que diz respeito a sua geografia, clima, matriz econômica e principalmente perfil demográfico do eleitorado.
Para quem acompanha a política estadunidense de maneira mais frequente, ver comícios acontecendo no interior rural da Pensilvânia ou nos subúrbios de alguma cidade de médio porte em Michigan é comum, mas faz pouco sentido para a maioria dos brasileiros que costuma ver seus candidatos a presidente apenas visitando as capitais dos estados brasileiros e, em alguns casos, apenas no Sudeste e Nordeste. No sistema americano, pensado pelos pais fundadores no século 18, o colégio eleitoral era e continua sendo uma forma de fazer o centro do poder olhar para regiões que seriam facilmente esquecidas em um sistema de eleição com base no voto popular, e, por mais que não seja justo, se tornou ao longo das décadas a cara da América de fazer política. Na eleição de 2020, Joe Biden conseguiu arrematar 6 dos 7 estados pendulares, dos quais 5 haviam votado em Donald Trump, quando o republicano venceu Hillary Clinton em 2016. Mesmo com esse feito eleitoral impressionante e vencendo com ampla vantagem de 7 milhões de votos no sistema de voto popular, vale ressaltar que as margens da vitória de Biden foram extremamente apertadas no sistema do colégio eleitoral. Biden venceu no Arizona por pouco mais de 10 mil votos, na Geórgia por pouco mais de 11 mil votos, em Wisconsin com cerca de 20 mil votos e no populoso estado da Pensilvânia com 80 mil votos de diferença. Ou seja, em um país com mais de 160 milhões de pessoas registradas para votar, o voto de aproximadamente 121 mil pessoas determinou o resultado de toda a nação, o que representa de 0,001% do eleitorado.
Se na disputa passada o cenário foi tão próximo nos estados-chave, tudo indica que em uma eleição tão atípica as possibilidades de algo parecido são também muito altas. Enquanto Joe Biden era o candidato, as pesquisas e as tendências levavam todos a acreditar em uma vitória fácil de Trump. Após a tentativa de assassinato do ex-presidente na Pensilvânia, seu momento continuava ser na dianteira, mas, com a desistência de Biden e o primeiro debate contra Kamala Harris, reacendeu a campanha democrata e a colocou em uma posição muito mais competitiva em muitas localidades. Hoje, depois da euforia de um ano eleitoral tão intenso e com tantas mudanças bruscas, vemos as curvas de cada candidato se aproximando cada vez mais, deixando evidente que no dia 5 de novembro a apuração trará boas doses de emoção.