Localizado entre os rios Tietê e Tamanduateí, próximo à Estação da Luz e bem na região central de São Paulo, o bairro do Bom Retiro reúne uma grande variedade de lojas, centros culturais, instituições religiosas e restaurantes, mas a sua marca principal são as confecções.
A médica Hee Jeung Hong, que desenvolveu um estudo chamado Imigração e Envelhecimento em São Paulo: Perfil de um Grupo de Idosos Coreanos, também constatou que a maior parte dos coreanos que chegaram ao Brasil preferiu viver no Bom Retiro "pela facilidade dos relacionamentos, acesso a restaurantes e produtos culinários típicos".
À época, o Bom Retiro era conhecido principalmente como um bairro judeu. "Os judeus instalaram toda uma cadeia produtiva ligada à indústria e comércio de confecções. A partir dos anos 20 e até metade da década de 40, os judeus estavam mais presentes nesses estabelecimentos que constituem toda a cadeia produtiva do comércio de confecções, desde as oficinas de costura até as gráficas que imprimiam os talões de nota", explicou Sarah.
Ao chegar ao Brasil, os coreanos passaram a adquirir esse comércio dos judeus. "E aí ele passa a ser chamado de bairro dos coreanos. Mas nem os judeus e nem os coreanos nunca foram a maioria da população do Bom Retiro. Ele é um bairro marcado sempre pela mistura", ressaltou a arquiteta e urbanista.
Para a socióloga, o que contribuiu para que os coreanos fincassem raízes principalmente nesse bairro é o fato de eles serem um povo cosmopolita. "Acho que a maior característica que o bairro deu para que os coreanos se fixassem por lá é essa heterogeneidade de grupos étnicos. O Bom Retiro tem essa característica e forte inclinação para o comércio de vestuário. Eles já vinham com conhecimento sobre esse ofício. Outra característica é que os coreanos são muito unidos e se propuseram a trabalhar muito. Então a maioria deles conta que trabalhava de 18 a 20 horas por dia e os mais jovens saíam para vender de porta em porta. Esse trabalho possibilitou que a família toda fosse englobada, todos participavam: os pais cortavam [o tecido], a maioria das mães costuravam e os filhos vendiam. Então como eles vieram com o projeto familiar, eles não se dispersaram como os outros, tentando emprego em outros lugares. Eles acabaram se concentrando nesse ramo que deu possibilidade da família toda participar."
Embora não sejam o maior grupo que vive no bairro hoje, é pelos coreanos que atualmente o Bom Retiro é mais conhecido. Há inclusive projetos sendo planejados que propõem que o bairro se transforme em uma Korea Town. Um desses projetos, por exemplo, já foi aprovado pelo atual prefeito, Ricardo Nunes, e conseguiu mudar o nome da Rua Prates para Prates-Coreia.
O Korea Town é uma proposta do cônsul-geral na cidade, Insang Hwang. A ideia, por exemplo, é instalar luminárias típicas pelo bairro, acrescentar o nome Coreia à Estação Tiradentes do metrô e pintar murais pelo bairro. A ideia não é nova. Em 2017, por exemplo, o então prefeito João Doria chegou a divulgar a proposta da Little Seul, que acabou não indo para a frente.
"Esse é um projeto da Coreia, um projeto global deles, liderado pelo cônsul no Brasil. Eles elaboraram o Korea Town. No Bom Retiro, eles conseguiram fazer com que a Rua Prates virasse Rua Prates-Coreia. E eles têm uma proposta para a Rua Três Rios. Eles também têm uma proposta de mudar o nome da Estação Tiradentes para Estação Tiradentes-Coreia. Mas eu acho que não precisa disso. Primeiro porque não é um bairro de coreanos. E, quando se acrescentam nomes de cidades coreanas, está se omitindo a diversidade que tem no Bom Retiro. A Estação Tiradentes, por exemplo, remete ao nome da avenida, mas também ao presídio Tiradentes [onde diversas pessoas foram presas e torturadas na época da ditadura militar]. Não é assim que se muda o nome das coisas", criticou Sarah.
Já a socióloga Margareth Rogante considera que o projeto tem como base uma característica cultural que é particular do povo coreano, de cuidado com o local onde se vive.
"Eu acho que as nossas elites têm muito preconceito ao não branco. A comunidade judia teve algumas dificuldades [no bairro], mas eu acho que a coreana enfrentou ainda mais. Poucos lugares, por exemplo, ofereciam comida. Hoje se tem bastante, mas eles enfrentaram todo choque cultural: comida, língua, a questão mesmo de participação na comunidade, o cuidado com o bairro. Você está vendo que eles estão propondo melhorar o bairro. Ele se preocupam muito. A comunidade asiática em geral é assim, quer melhorar a vida de todos", disse.
"Eles estão com a proposta de pôr algumas lâmpadas que são representativas da comunidade coreana. E há muita resistência em falar que eles querem se apropriar do bairro, de falar que eles querem negar ou invisibilizar as outras imigrações. Eu não acho isso. Acho que eles querem se inserir. Eu acho que ele só querem contribuir. Eles são cosmopolitas e eles têm preocupações com o bairro. Eles fazem ações em peso por ali, em favor do bairro todo e de toda a comunidade", citou Margareth. "Eles estão inseridos na comunidade e precisam ficar visibilizados não só porque a gente vai ao Bom Retiro e olha para eles, mas também para reconhecer a contribuição dessa imigração para São Paulo e para o Brasil. Do ponto de vista econômico e do ponto de vista cultural, acho que eles fazem todos os esforços para se inserirem e participarem da comunidade e se fazerem sentir pertencentes ao Brasil", acrescentou.
Já a arquiteta e urbanista considera que os coreanos poderiam sim homenagear sua terra natal. Mas em outros espaços como praças ou ruas que não sejam tão significativos para a história do bairro. "Tudo bem quererem homenagear alguém da Coreia. Não há problema nisso. Acho ótimo eles quererem colaborar para a melhoria do bairro. Mas a história das lanternas na Liberdade [bairro paulistano que é frequentemente associado à imigração japonesa] já foi bastante criticada do ponto de vista do patrimônio e da memória da cidade. Acho que essa é uma visão superada", disse ela.