A legalização da maconha, há 10 anos, fez o Uruguai ganhar evidência global como um laboratório para observar os impactos dessa medida, que, até então, nunca tinha sido implementada por um país em nível federal.
Apesar dos problemas no acesso ao mercado legal no Uruguai, a proposta de mercado regulado no país tinha a inclusão como aspecto relevante, relembra Marco Algorta. Ele afirma que esse foi um dos motivos para o Estado ter decidido participar de forma tão presente na regulação.
"Desde o primeiro momento, foi uma política contra o mercado. O foco não era desenvolver um mercado capitalista, digamos assim, o foco era fazer o produto chegar a um preço justo às pessoas. O Uruguai controla o preço, o que outros mercados, que legalizaram depois, não fazem. É um preço que não gera grandes ganhos às empresas produtoras. Isso gerou menos oferta, mas, por outro lado, gerou mais acessibilidade. Os preços não são exorbitantes, coisa que não acontece em outros mercados em que a cannabis virou um produto de elite".
O controle exercido pela regulação, afirma Algorta, levou a um cenário com apenas três empresas licenciadas para produzir a cannabis, desencorajando novos empreendimentos e excluindo produtores que estavam na ilegalidade no momento da legalização. "O movimento social pré-legalização, que empurrou a legalização, foi excluído dos direitos econômicos da lei. Esse é o grande erro do Uruguai. É muito difícil um produtor pequeno e de pequena capacidade econômica obter uma licença para produzir cannabis no Uruguai. Requer muito capital".
Mesmo assim, Algorta avalia que os dados disponíveis após 10 anos da legalização da maconha no Uruguai são positivos, e podem servir de subsídio para o debate no Brasil, se observadas as diferenças entre os dois países.
"Não se pode extrapolar os números do Uruguai para o Brasil, porque são características populacionais totalmente diferentes. Mas é a legalização que tem uma amostra mais próxima à realidade brasileira. Dos dados que a gente tem disponíveis, é o melhor", avalia. "A legalização da cannabis não gerou mais problemas com a cannabis. Ela gerou menos danos com a cannabis. 50% da população está consumindo um produto que é controlado pelo Ministério da Saúde Pública, com menos pesticidas e contaminantes. E existe uma melhor relação dos jovens com a substância".
Além da legalização para usos recreativos e medicinais, há uma demanda de legalização para o desenvolvimento de uma indústria do cânhamo - cannabis com baixa concentração de THC a ponto de não ser mais psicotrópica. Esse produto é usado pela indústria farmacêutica, para a produção do canabidiol, e também por diversos outros setores, como cosmético, têxtil e construção civil.
Presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Rafael Arcuri Foto: Divulgação/Rafael ArcuriO presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Rafael Arcuri, acredita que países que legalizaram a cannabis depois do Uruguai se beneficiaram dos dados observados na experiência pioneira e puderam partir para modelos menos restritivos de legalização. Para ele, esse também deve ser o tom para a discussão do tema no Brasil.
"O ideal são modelos com um equilíbrio racional entre controle e o acesso. A gente tem que sempre tratar essa planta como psicotrópica, mas a gente não pode ser hipócrita e ignorar que outras substâncias mais nocivas têm regulações muito mais simples", afirma.
"Além de ser essa fonte de insumo medicinal e farmacêutico de origem vegetal, o cânhamo tem esse potencial de industrialização, com bioplásticos, alimentos etc. Além disso, a cannabis é uma das plantas mais eficientes na captação e aprisionamento do CO2 da atmosfera. É uma planta importante para a reindustrialização que o Brasil está tentando fazer, e para a mitigação das mudanças climáticas".