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Golpe militar no Níger aumenta disputa geopolítica entre Rússia e Ocidente

Desde o final de julho, quando o exército do Níger comandou um golpe militar, derrubou o presidente Mohamed Bazoum e assumiu o poder, a situação tem ficado mais tensa no país africano e aumentam as chances de mais um conflito no planeta.

Por Rede Vida Brasil

13/08/2023 às 10:03:23 - Atualizado há

Desde o final de julho, quando o exército do Níger comandou um golpe militar, derrubou o presidente Mohamed Bazoum e assumiu o poder, a situação tem ficado mais tensa no país africano e aumentam as chances de mais um conflito no planeta. A região é mais um polo de conflito entre Rússia e Ocidente. Na quinta-feira, 10, os países da África Ocidental aprovaram uma intervenção no Níger “o mais rápido possível” para expulsar do poder os autores do golpe de Estado. “Os chefes de Estado-Maior terão outras reuniões para finalizar os detalhes, mas eles têm o acordo da Conferência de Chefes de Estado para que a operação comece o mais rápido possível”, disse o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, após uma cúpula de emergência da Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental (Cedeao). Eles tinham dado até domingo para os golpistas restabelecerem o poder do presidente Bazoum, sob pena do uso da força. A decisão deixa a situação ainda mais delicada, visto que países como Burkina Faso e Mali, também liderados por militares que tomaram o poder à força nos últimos anos, afirmaram que, se o Níger fosse atacado, eles considerariam isso “uma declaração de guerra”.

Após o anúncio da mobilização da força de reserva da entidade, o Ministério das Relações Exteriores da França anunciou que dá “seu pleno apoio ao conjunto das conclusões” adotadas durante a cúpula da Cedeao sobre o Níger. Os Estados Unidos, que contam com soldados no país como parte de uma operação antijihadista, também expressou seu apoio “à liderança e trabalho da Cedeao” para restabelecer a ordem constitucional, disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken. O presidente da Nigéria, Bola Tinubu, à frente da presidência rotativa da Cedeao, insistiu na necessidade de “priorizar as negociações diplomáticas e o diálogo”, sem excluir outras opções. “Não descartamos nenhuma opção, inclusive o recurso da força. Se não o fizermos, ninguém o fará em nosso lugar”, afirmou. Ouattara lembrou que “a Cedeao já tinha feito intervenções na Libéria, Serra Leoa e Guiné Bissau” quando a ordem constitucional desses países se viu ameaçada. “Hoje, o Níger vive uma situação parecida e quero lembrar que a Cedeao não pode aceitar isso”, acrescentou. O bloqueio ao diálogo alimenta os temores de uma intervenção militar no país de 25 milhões de habitantes. Na terça-feira, uma delegação conjunta da Cedeao, da União Africana e da ONU tentou viajar a Niamei, capital do Níger, mas os militares recusaram a visita e alegaram motivos de “segurança”.

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Apoiadores do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP) do Níger se reúnem para uma manifestação em Niamei em 11 de agosto de 2023, perto de uma base aérea francesa no Níger "AFP

Envolvimento da Rússia e Estados Unidos

Uma intervenção militar na região, principalmente se for apoiada por Estados Unidos e União Europeia, fará com que o Grupo Wagner e a Rússia interfiram no conflito, o que, segundo os especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan, aumentaria a insegurança no planeta. “Existe uma possibilidade real de avanço militar, de que os países invadam o Níger para tentar devolver o poder ao presidente”, fala o economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa Igor Lucena. Para ele, existem dois problemas que afetam a execução de uma intervenção militar. “Os países têm os seus próprios problemas com grupos terroristas e não estão unidos. Mesmo que iniciem um conflito, eles têm medo de criar uma guerra entre os Estados africanos que saia do controle”, explica o especialista, acrescentando que é complicado pensar em uma solução a curto prazo. Ele observa que uma participação da França, Estados Unidos, Nigéria e outros países ocidentais poderia resolver a situação muito rapidamente, contudo, “isso poderia alavancar a entrada do Grupo Wagner e poderia tornar um conflito sem fim em mais uma região do planeta, deixando-o mais inseguro”. Lucena acredita que, por mais que os países estejam agindo para tentar resolver o problema de forma democrática, a possibilidade de conflito se aproxima cada dia mais.

Rússia é vista como libertadora das colônias

Nesta semana, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, conversou com Bazoum, que está em prisão domiciliar em Niamei. O porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, disse a repórteres que Washington ainda tem esperança de resolver o conflito pacificamente. Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, fala que a intervenção militar não é uma boa opção porque intensificaria o quadro de conflito. “Uma conflagração mais aberta trará grandes impactos, seria uma guerra aberta em uma região que já enfrenta crises humanitárias e desencadearia uma nova crise de refugiados, além de que a participação de países terceiros pode fortalecer o apoio da população aos golpistas”, explica, destacando que esse foi o principal motivo do golpe militar. Velasco lembra que a “influência da Rússia na África é muito significativa, dando apoio militar e econômico. Parte da população do Níger vê o Vladimir Putin e Rússia como os libertadores, que os libertam de seus colonizadores mesmo após a independência do país.”

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Manifestantes agitam bandeiras do Níger e da Rússia enquanto se reúnem durante uma manifestação em apoio à junta do Níger em Niamey em 30 de julho de 2023 "AFP

Velasco fala que estamos testemunhando uma transição sistemática e pós-ocidental. A África é um palco importante e a influência dos países ocidentais europeus está diminuindo na região, enquanto a da Rússia e da China cresce. Os chineses são uma influência brutal e os russos, política e militar. É uma passada de bastão e uma derrota da polarização”, observa. Durante as manifestações que aconteceram no Níger após o golpe, milhares de apoiadores se reuniram em frente à embaixada francesa em Niamei com bandeiras do país africano e da Rússia colocadas no lugar da bandeira francesa, pisoteada por manifestantes que gritavam: "Viva Putin!", "Viva a Rússia!", "Abaixo a França!". Após a aprovação da intervenção militar, milhares de simpatizantes do regime se reuniram perto da base militar francesa de Niamei, entoando palavras de ordem hostis à França. Diante desse cenário, Velasco diz que os próximos rumos da tensão no Níger devem ser de instabilidade e incerteza. “Veremos o governo militar se mantendo no poder e, com isso, o fim de mais um Estado que tinha governo democrático. Com isso, não temos mais nenhum Estado democrático na refião que vai do Saara até a Savana do Sudão”.

Instabilidade no Níger

O Níger já experimentou quatro golpes e dezenas de tentativas. Mohamed Bazoum chegou ao poder em 2021 após vencer as eleições com mais de 55% dos votos, sendo a primeira vez em 60 anos de independência que o Níger teve uma transição de presidentes eleitos. Os especialistas explicam que a instabilidade política, não só no Níger como em outras regiões africanas, se dá pela história de colonização. “A instabilidade politica africana é conturbada, porque não conseguiu se organizar desde a descolonização, porque a constituição costuma ser um mix de tribos, religiões, línguas e muitas vezes não se entendem sobre os próprios desenvolvimentos e identidades nacionais”, fala Lucena. “Nos últimos anos, vimos nações como Guiné e Burkina Faso que, por inflação descontrolada, problemas relacionados à falta de direções politicas, pobreza, falta de organização política, geram movimentos pró-golpe, porque têm uma parcela considerável que não está a favor da situação econômica ou política e, como as instituições estão fracas, com situações de terrorismo e falta de poder do Estado, essas nações estão suscetíveis a golpes, principalmente militares”, completa o doutor em relações internacionais.

tensão no níger

Coronel Major Amadou Abdramane, membro do CNSP (Conseil national pour la sauvegarde de la patrie) acusa a França de violar a proibição do espaço aéreo do país "ORTN – Télé Sahel / AFP

Velasco acrescenta que esses são países que conseguiram independência recentemente e têm democracias muito jovens. “Há inclinação e tendência ao extremismo e golpe, não dá para pensar naquela região africana como democracia madura e consolidada. Os constantes golpes não são estranhos se considerarmos que são países embrionários em maturação institucional, constitucional e existe desconhecimento do que é constituição e como deve funcionar”, diz o especialista. “São países que têm vivido quadro de golpes ao longo dos últimos 4 e 5 anos, e são golpes que refletem o descontentamento da sociedade, da população desses países contra uma presença europeia que se mantinha muito forte na região. Mesmo após a independência, os colonizadores continuavam dando pitaco”, acrescenta. No caso do Níger, além de o país ser rico em ouro e prata, também tem urânio usado basicamente para alimentar os reatores nucleares da França, onde 65% da eletricidade vem da energia nuclear.

Fonte: jovem pan
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