A programação do quinto passeio do Rolé Carioca reúne atividades que visam ao resgate das memórias indígenas em um território originalmente ocupado pelo povo Tupinambá.
Inicialmente o passeio estava previsto para o último dia 27, dentro das comemorações do Agosto Indígena, instituído em 2021, em São Paulo, para celebrar e reforçar a importância dos povos originários, além de preservar a história e incentivar o protagonismo dos indígenas que contribuem muito para a cultura brasileira.
"Nós queremos apresentar neste roteiro parte da história da nossa cidade, mas reconhecendo a importância e o protagonismo dos povos indígenas. Através do nosso patrimônio histórico e urbano vamos compartilhar informações não apenas das ações de resistência do povo Tupinambá, como também sua história, cultura, tecnologias e outras contribuições", destaca à Agência Brasil a historiadora e pesquisadora do Rolé Carioca, Amanda Custódio."A importância desse rolé é garantir a visibilidade de uma luta que aconteceu ali, que é a grande luta da Confederação dos Tamoios, que, na verdade, foi a primeira resistência de povos Tupi e Guarani de vários lugares. Não existia uma etnia chamada tamoios. É porque o povo tupinambá vira para o português e diz 'ta'mõi', que em língua tupi quer dizer o mais velho, aquele que chegou primeiro e merece respeito. Os portugueses, que não entendiam nada, chamavam de tamoios, mas não existia o povo Tamoio, existia o povo Tupinambá", conta a presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), Marize Guarani, em entrevista à Agência Brasil.
O percurso foi traçado para visitar nove pontos: o Monumento a Pedro Álvares Cabral; o Projeto Caminho Ancestral da Glória, que é um mural galeria de arte a céu aberto; a Igreja de Nossa Senhora do Outeiro da Glória, que era Território Uruçumirim; o Monumento a São Sebastião, os Jardins do Palácio do Catete; o Posto 1 da Praia do Flamengo; a Foz do Rio Carioca, o Posto 2 da Praia do Flamengo e a Estátua de Estácio de Sá.
"A escolha do Rolé Carioca pelas Presenças Indígenas na Glória acontece porque nesse bairro ocorreu um processo de total relação com a fundação da cidade do Rio de Janeiro. Esse território pertencia ao povo Tupinambá que resistiu contra a colonização portuguesa e por isso sofreu um violento massacre. Foi no Outeiro da Glória que ocorreu a grande Batalha de Uruçumirim, um marco da colonização portuguesa no Rio de Janeiro, quando o povo Tupinambá foi derrotado e Estácio de Sá morto", conta Amanda Custódio.
O Monumento a Pedro Álvares Cabral, em frente ao Metrô da Glória, escolhido para ser o ponto de encontro do circuito, permite reflexões. A pedagoga indígena Marize Guarani diz que isso também ocorre com o Monumento a São Sebastião, no centro da Praça Luís de Camões.
"A estátua de São Sebastião é colocada como se ele tivesse dado força aos portugueses, para que a guerra em que eles eram em maior número eles pudessem ganhar. Então, foi São Sebastião que ajudou os portugueses e se torna o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, só que isso é uma narrativa de uma guerra de imagens, ou seja, soterra a imagem do povo originário e em cima dela planta um santo católico", diz.
Marize Guarani, que atua para manter a memória e a difusão da cultura dos povos originários, participou da equipe de pesquisa do rolé para a criação do passeio. "O Rolé Carioca vai tentar dar visibilidade a algo que a história da cidade não mostra, que é a presença do povo Tupinambá ali na região da Baía de Guanabara, onde havia 80 loteamentos", revela.
A Glória não é a única região no Rio que no passado foi território indígena. Segundo Marize Guarani, basta apenas lembrar os nomes de diversos bairros que têm grafia tupi. "Ipanema, Grajaú, Turiaçu, tudo isso é território tupinambá. Isso é língua tupi. Tinham os aldeamentos em torno da Baía de Guanabara, mas também para dentro", comenta, ao lembrar que há ainda presença do povo guarani em Maricá e na Costa Verde do Rio, onde em Paraty tem também uma aldeia Pataxó.
"Turiaçu fica entre Madureira e Rocha Miranda e não tem mais aldeia hoje. O único vestígio é o nome do lugar, como também o Grajaú, que não tem. Itatiaia também é nome indígena e não tem vestígio, vai apagando [a história]. Jacarepaguá esse nome é indígena. Tudo isso era também terra indígena", pontua.
"É importante ressaltar que não só a Glória era um local com aldeamentos indígenas, mas sim todo o nosso território, por isso nós enquanto equipe do Rolé Carioca temos o compromisso de abordar a presença indígena em todos os circuitos históricos que realizamos", completa Amanda Custódio.
De acordo com os organizadores do Rolé, a escolha pela Glória foi pelo caráter representativo de episódios da história colonial, "que ao mesmo tempo invisibilizou a memória dos povos ancestrais e a violência contra esses habitantes". "O próprio nome do bairro revela uma das camadas de opressão e está associado ao genocídio dos povos indígenas no Rio de Janeiro", destaca.
Conforme os organizadores, esta edição do Rolé Carioca tem patrocínio da Petrobras e da White Martins, com realização do Ministério da Cultura e do governo federal. Conta ainda com patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura da prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura-Lei do ISS, além de copatrocínio da Universidade Estácio, em parceria com o Instituto Yduqs, e da First RH Group.
O projeto cultural Rolé foi criado em 2012 com o propósito de pesquisar, catalogar e difundir conteúdo sobre o patrimônio histórico e cultural do Rio de Janeiro. Atualmente tem mais de 50 mil seguidores nas redes sociais. "O Rolé tem a missão de formar um acervo multiplataforma sobre a história, cultura e memória da cidade, com ações que o apresentam em diferentes formatos, tais como passeios guiados por mais de 650 roteiros, banco de dados com mais de 500 pontos mapeados, canal de vídeos, site, jogo, aplicativo etc", informaram os organizadores.