O grupo baiano Os Tincoãs marcaram um momento pioneiro na música nacional, a incorporação das canções e ritmos religiosos afro-brasileiros.
Essa trajetória não linear é enxergada com naturalidade por Aleluia, que completa 80 anos na próxima segunda-feira (25). "Todos nós vivemos pela fé. A gente diz que não, mas todos nós vivemos pela fé. Então, a gente faz um trabalho, e pode ser que agora esse trabalho não seja entendido. Mas nós vivemos pela fé e achamos que ele está sendo entendido, sim", diz, em entrevista à jornalista Cibele Tenório, no programa Festa do Disco, que vai ao ar às 20h deste domingo (24), na Rádio Nacional.
Tal visão de mundo, em que os acontecimentos têm curso próprio, parece também permear a explicação de Aleluia para a opção do trio pela música religiosa afro-brasileira. "Essa, basicamente, foi a nossa formação: candomblé à noite, para a gente dormir. Sino da igreja católica e o órgão da igreja católica invadindo os lares, durante o dia. Então, dessa base aí, ninguém fugia", lembra o músico sobre a vida no Recôncavo, quando sequer havia liberdade para os cultos de matriz africana.
"Na minha época, ele [culto] era marginal. Então, não se batia candomblé à vontade como hoje. Não se cultuava o candomblé como se cultua hoje. Era tudo na marginalidade", afirma Aleluia.
A sonoridade dos Tincoãs permanece viva e atual, sendo cultuada por bandas contemporâneas, como a paulistana Bixiga 70. "Apesar do Bixiga 70 carregar a influência de diversos estilos não propriamente brasileiros, sempre existiu uma preocupação muito grande nossa em soar brasileiro e buscar influências de raiz da música brasileira. E o Tincoãs era para gente uma sonoridade muito refinada, ao mesmo tempo que muito brasileira e ancestral", enfatiza Daniel Verano, trompetista do grupo.
A força da música do trio baiano é tão grande que Verano lembra até hoje como as canções entraram no repertório. "É inesquecível o dia que a gente levantou essa música [Deixa a gira girar], foi no final de 2011, foi o último ensaio do ano. Foi tão legal, que a gente saiu de lá e foi festejar. A gente sentiu um portal abrindo", relembra.
Foi apenas em 2017 que o Bixiga pôde tocar no mesmo palco que Mateus Aleluia, em um evento na Universidade da Califórnia, ocasião que o trompetista também lembra com carinho. "Tincoãs é uma referência máxima para a gente", afirma.